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Não Olhe Para Cima: o filme do negacionismo é um triste paralelo com o Brasil

Negar a ciência, a ameaça de que o mundo pode explodir. Gastar verbas públicas para convencer a população de que “a ameaça nem é tão perigosa assim” e pedir clamor a Deus quando precisamos mesmo é de soluções palpáveis. Você pode supor que estou falando da Pandemia no Brasil, mas estou falando do novo filme da Netflix, “Não Olhe Para Cima”, que vem sendo um dos grandes sucessos do canal neste final do ano.

Para contar essa dramédia fictícia, o diretor Adam McKay (Vice) chamou astros como Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Rob Morgan, Meryl Streep, Timothée Chalamet, Ariana Grande, Cate Blanchett e mais uma seleção de estrelas. Mas, não torça o nariz e espere uma fórmula hollywoodiana pronta. Não Olhe Para Cima é muito mais do que isso. Um filme estranho e que nos dá um grau terrivelmente realista do que acontece em nosso planeta. Assim como os personagens, você tanto pode rir, quanto pode chorar.

Trazendo para o centro do debate a ciência, a pesquisa científica e as suas descobertas, o longa tem diálogos bem elaborados que trazem, em suas camadas, diversas críticas sociais. Jennifer Lawrence vive Kate Dibiasky, a pesquisadora que descobriu um cometa que pode destruir a Terra. Seu orientador é Randall Mindy, vivido por Leonardo DiCaprio e Rob Morgan vive Dr. Teddy, que completa o trio.

Em muitos lugares, Leonardo DiCaprio está sendo considerado o protagonista do filme. Aqui nesta crítica, vamos dar esse papel para Jennifer Lawrence. Kate é uma mulher jovem e pesquisadora. Ela faz uma grande descoberta científica que pode literalmente mudar os rumos do Planeta Terra. E, durante todo o filme, ela é desacreditada. Ela tem detalhes íntimos contados pelo seu namorado e se exalta quando não é levada a sério em um programa de televisão. Kate é apenas uma mulher tentando alertar sobre o resultado de sua pesquisa. Mas, mulheres não tem direito de gritar, de engrossar a voz e nem de pedir respeito na nossa sociedade. Tanto que, em uma manobra covarde, seu orientador leva todos os louros e vira “o rosto da pesquisa”. Se um homem branco de meia-idade achou isso ruim? De forma alguma. O sucesso subiu tanto a sua cabeça que nem a família ele respeitou. Enquanto uma mulher nova e pesquisadora e um doutor negro precisam se desdobrar, um homem branco pode falar o que quiser que é respeitado. Esse é o puro resumo da nossa sociedade quando as mulheres saem do trabalho de cuidadoras e assumem papéis intelectuais.

Essa não é o melhor filme de Adam McKay em termos técnicos. Responsável por longas como Vice e A Grande Aposta, o diretor dá uma vacilada na cadência do filme. São sequências mais paradas, mas com diálogos extremamente provocantes. Apesar de não ser o melhor nesses termos, é o mais profundo para quem consegue fazer a ligação entre a realidade do filme e a vida real. Se você for brasileiro e não ficar nem um pouco incomodado com o que viu, tenho péssimas notícias para te dar. Você precisa rever seus conceitos de cidadania.

Não olhar para cima é uma grande metáfora para o negacionismo. Enquanto uma parte da população, que estuda, acredita na ciência e tem empatia clama por “OLHE PARA CIMA”, uma parte negacionista pede que as pessoas “NÃO OLHEM”. Afinal, quando a venda cai, um mundo se abre e a partir daí, toda construção dos maus-caracteres que governam e tomam decisão começam a ser questionados. É por isso que a extrema direita, em qualquer lugar do mundo, e principalmente aqui no Brasil, investe para que o pobre seja cada vez mais pobre e sem estudo. Tirar investimento da pesquisa, extinguir incentivos como o Prouni e mudar critérios não é um corte de gastos. É um projeto de perpetuação da pobreza e da ignorância. Estudar é, acima de tudo, resistir. Acreditar na ciência é acreditar na vida. É acreditar em fatos e dados. Isso precisa ficar cada vez mais claro.

Apesar de ser um filme norte-americano, Não Olhe Para Cima parece ter sido feito para o Brasil (e outras nações). Quando escrevi, em 2019, que Bacurau era a crueza de um futuro nem tão distópico assim, infelizmente não sabia que o pior ainda estava por vir. Nunca poderia imaginar que seríamos impactados por uma pandemia enquanto o pior presidente da história do nosso país estivesse em exercício. Bolsonaro e toda a sua corja podem ser considerados claramente a presidente dos Estados Unidos interpretada por Meryl Streep. Com um filho como assessor, uma anestesista chefiando a NASA, pastores rezando por todos os cantos e todos preocupados em uma só coisa: como ELES podem se dar bem. Como ELES podem tirar dinheiro com isso. Enquanto pessoas estão na iminência da morte, as reuniões são regadas à champanhe, caviar e piada de tiozão.

Meryl Streep em Não Olhe Para Cima poderia facilmente ser chamada de Bolsonaro
Meryl Streep em Não Olhe Para Cima poderia facilmente ser chamada de Bolsonaro

Em relação à religião, o filme acerta muito quando coloca, em entrelinhas, a presidente do país falando de Deus o tempo todo, até quando, nos bastidores, ela ri da população. É o caso claro dos religiosos que fecham os olhos para o que realmente acontece. Religião não deveria ser sobre falar e repetir salmos. Repetir, até papagaio repete. Qualquer religião deveria ser sobre a vida do outro. O mundo seria melhor com mais Padres Julio Lancelotti e com menos pastores Malafaias.

O Brasil não poderia estar em mãos piores. E, com toda certeza, Não Olhe Para Cima vai te lembrar o tempo todo disso. Esqueça as críticas dos twitteiros de plantão e assista o filme pensando na realidade do nosso país. Você vai terminar o longa revoltado, indignado e, com toda certeza, querendo fazer um 2022 muito melhor. Feliz Ano Novo e não vote mais em fascistas.

Obs: fique até o final, pois temos duas cenas pós-créditos!

Veredito da Vigilia

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