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Todo Dia a Mesma Noite põe o dedo em uma ferida aberta

Dia 27 de janeiro de 2013. Dez anos nos separam de uma das noites mais longas da história do Rio Grande do Sul. Uma noite que ainda não teve fim. Há 10 anos, 242 famílias foram atingidas por um dos maiores incêndios do Brasil. As chamas saíram de Santa Maria, mas ainda pairam no ar e sufocam aqueles que clamam por justiça. No dia 25 de janeiro, a Netflix lançou Todo Dia a Mesma Noite, uma série ficcional do livro homônimo. E, já adiantamos, não é uma obra fácil de conferir.

Apesar de ser ficcional, sabemos que as dores, as histórias interrompidas e, principalmente, a dor daqueles pais, são reais. É impossível você ter 30 anos hoje e pensar “podia ter sido comigo”. Afinal, essa seria a idade que aqueles jovens teriam. A série acompanha, principalmente, a luta dos pais da Associação de vítimas em busca de justiça. Inclusive, o que me motivou a dar play na série foi, justamente, o apoio que os pais e mães das vítimas deram à produção.

A diretora geral da série, Júlia Rezende (A Porta ao Lado, Depois a louca sou eu) uniu um elenco conhecido para dar força à sua narrativa. Thelmo Fernandes (Sob Pressão) e Débora Lamm formam o casal Pedro e Sil, os pais de uma das vítimas. Paulo Gorgulho é Ricardo e, com eles na associação, temos nomes como Leonardo Medeiros (A menina que matou os pais, o menino que matou os meus pais) e Bianca Byington. Inclusive, Paulo Gorgulho, Bianca Byington  e Thelmo Fernandes são destaques positivos, dando o tom forte e dramático que a série precisa. É possível destacar, para cada um, ao menos uma cena que me fez chorar.

Paulo Gorgulho emociona muito em Todo Dia a Mesma Noite
Paulo Gorgulho emociona muito em Todo Dia a Mesma Noite

Tecnicamente, Todo Dia a Mesma Noite é uma série bem feita. Os dois primeiros capítulos são totalmente sufocantes. Dói ver a construção do que sabemos que vai acontecer. Dói assistir aquele fogo consumindo a Boate Kiss. E dói muito, mas muito, ver aqueles pais e mães reconhecendo o corpo dos seus filhos. Em vários momentos, precisei parar. Tomar uma água, sair do ambiente que estava. Era como se eu estivesse vivendo novamente aquela noite, exatamente como o título aponta. Os outros três episódios são mais melancólicos e revoltantes. Apesar de sabermos a história, queríamos que nada disso fosse da forma que foi. Torcemos no tribunal. Nos indignamos com a anulação do júri.

Outro ponto muito interessante que a série mostra é a como ficaram os mais de 600 sobreviventes. Como foi difícil recomeçar a vida e lidar com o fato de que os amigos, conhecidos, parentes, colegas, perderam a vida. É uma luta para viver, sobreviver e reaprender.

Thelmo Fernandes e Débora Lamm perdem a filha em Todo Dia a Mesma Noite
Thelmo Fernandes e Débora Lamm perdem a filha em Todo Dia a Mesma Noite

Fiquei um pouco incomodada com o sotaque carregado e fora de tom falado pelos personagens. Era uma mistura de gaúcho estanciense da época da Guerra dos Farrapos com um portoalegrense puxado. E, no início, os diálogos são totalmente expositivos. Talvez, para quem não conheça a história ou a região, esses pontos passem despercebidos. Mas esses meus apontamentos não tiram méritos da série.

Todo Dia a Mesma Noite é uma obra audiovisual que existe para nos lembrar, sempre, que não devemos esquecer a nossa história. Para nos lembrar que no dia 27, completamos 10 anos dessa tragédia e ninguém está preso. Ninguém está condenado. Os pais precisam descansar e poder viver seu luto. É isso que eu desejo. Esperamos que a data e essa manifestação artística sirvam para lembrar que 242 histórias foram interrompidas. Que a justiça seja feita.

Veredito da Vigilia

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