Pinóquio: uma adaptação que faz sentido
Ao contrário de recentes releituras audiovisuais desnecessárias, como O Rei Leão (2019) e Aladdin (2019), cujas obras originais da Disney datam da década de 1990 e que, remasterizadas, ainda contem estilos de animação e de narrativa atuais, o novo live-action com CGI da casa do Mickey veio a calhar.
Com a animação tão conhecida sendo datada do ano de 1940, o segundo longa-metragem animado da empresa, após Branca de Neve e os Sete Anões (de 1937), essa nova adaptação fez (mais do que) sentido e estava na hora de acontecer. Se a principal “desculpa” dessa nova leva de filmes refeitos é o de se conectar com a nova geração de crianças, pelo menos Pinóquio foi uma escolha certeira.
A história, como muitos já sabem, se trata de um simples e solitário artesão/carpinteiro italiano, Geppetto (aqui vivido pelo astro Tom Hanks), que faz um desejo com todo o seu coração para uma estrela. Por ser tão puro e verdadeiro, uma fada lhe concede o seu desejo e, assim, o seu boneco de madeira, Pinóquio, ganha vida.
Nesse momento já se iniciam algumas pequenas divergências com a obra a que se baseia, mas que fizeram toda a diferença, se tratando de um filme live-action. Nessa nova versão, o desejo de Geppetto se origina, de forma implícita, a partir de seu passado, pois entendemos que o gentil senhor já teve uma esposa e filho de verdade, mas que algo aconteceu com eles, que o deixou sozinho. Uma foto fora de foco de um menino ao lado de sua cama e uma série de menções a uma mulher em sua vida, nos transmitem a mensagem.
Nesse mesmo ato, mais uma pequena mudança: a fada. Aparentemente, uma série de pessoas se chocou e se rebelou com o fato de a fada azul ser aqui interpretada por uma mulher negra. Puro e simples racismo, pois a performance da atriz e cantora Cynthia Erivo, de Harriet (2019), é encantadora e a sua versão de “When You Wish Upon a Star”, trilha oficial da vinheta da Disney e principal canção do filme, é linda e, como deveria, mágica.
O filme conta com outra personagem negra em destaque que parece ter incomodado algumas pessoas. Jaquita Ta’Le faz Sabina, uma bailarina presa pelo malvado Stromboli (Giuseppe Battiston) em um circo e que, junto de sua marionete de mesmo nome, ajudam Pinóquio ao longo da trama.
O protagonismo negro em adaptações audiovisuais, principalmente em obras como essa, é extremamente necessário, pois vale lembrar que estamos falando de uma produção feita em uma época de extrema segregação racial nos EUA, fazendo com que, consequentemente, tivéssemos poucos artistas negros em peças da época. Os tempos mudaram e o audiovisual, como expressão de arte e de cultura, deve refletir essa mudança também.
Com isso, preciso comentar brevemente também sobre a recente polêmica envolvendo a escolha da atriz Halle Bailey como Ariel, na adaptação live-action de “A Pequena Sereia”, que chegará às telonas em 2023. Incrível como mudar a etnia de um ser sobrenatural, sendo que a cor de sua pele nada reflete no desenrolar da trama, pode gerar tanta revolta. E quando digo “revolta”, leia-se, mais uma vez, “racismo”.
Enfim, seguindo sobre Pinóquio: outro ponto destaque, é claro, é Tom Hanks. Um dos homens que, aparentemente mais trabalha em Hollywood, e que brilhou recentemente em Elvis, como o agente do cantor, Coronel Tom Parker, agora é Geppetto. Hanks trouxe uma atuação bem teatral e expressiva para interpretar o velhinho, o que pode gerar certa estranheza, mas que acaba fazendo sentido, se tratando de um senhor excêntrico e solitário e também por ser uma obra para o público infantil e para a família.
O CGI de Pinóquio (que tem a voz de Benjamin Evan Ainsworth) e do Grilo Falante/Jiminy Cricket (voz de Joseph Gordon-Levitt) ficaram muito bons, uma vez que colocados lado a lado na tela com atores reais passam a veracidade necessária. Ao contrário de outras obras recentes das empresas da Disney, como o recente Mulher-Hulk (que tem críticas semanais dos episódios em nosso canal do Youtube), aqui tudo cai bem e é aceitável. Mais uma vez, é claro, o fato de se tratar de uma obra infantil se somou a favor de tudo.
Vale uma notinha também para os diversos easter-eggs de outras produções da Disney ao longo do filme. A dica é prestar bem atenção aos relógios cucos da parede de Geppetto!
Em resumo, Pinóquio foi uma excelente adaptação. Mudando outras pequenas questões e comentários que simplesmente não cairiam bem nos tempos de hoje, em comparação à animação original, conseguiu manter sua mensagem principal e seu encantamento como produção, sendo uma ótima referência ao público infantil e um bom momento para a família toda.