CríticaSéries

Inacreditável: é possível duvidar de sua própria história? | Crítica

Até que ponto a cadeia de acolhimento para o amparo de um grande trauma pode fazer com que você duvide de sua própria história? Este é um dos grandes conflitos da série Inacreditável (Unbelievable), produção original da Netflix com oito capítulos, que estreou no mês de setembro.

Mesmo sem toda badalação como outras produções, Inacreditável traz a dupla Toni Colette (Hereditário) e Merritt Wever (Birdman) como personagens principais, ao lado da novata Kaitlyn Dever, e já pode ser apontada como uma das boas séries do serviço de streaming em 2019. Sem grandes barrigas ou lacunas que façam o espectador sair da história, ela recria e dramatiza eventos reais narrados no artigo “An Unbelievable Story of Rape”, vencedor do Prêmio Pulitzer, escrito por T. Christian Miller e Ken Armstrong e também no episódio “Anatomy of Doubt”, do programa de rádio This American Life. Além das estrelas Toni e Merrit, a produção conta com episódios dirigidos pelas indicadas ao Oscar Susannah Grant e Lisa Cholodenko.

Toda a trama começa com a adolescente Marie Adler (Kaitlyn Dever) registrando para a polícia o estupro sofrido dentro de casa, por um intruso meticuloso e que sabe tudo para ocultar o próprio rastro. De cara, vemos os processos pouco amigáveis aos quais uma vítima de abuso sexual precisa passar, mesmo logo depois do que pode ser um dos maiores traumas de suas vidas. A menina, que é órfã e vive em uma comunidade de adolescentes que estão sendo integrados à famílias adotivas, acaba sendo coagida, seja pela falta de apoio familiar, de estrutura ou amigos, quanto até mesmo o tratamento abrupto da polícia – aliás, todos homens com pouca empatia pelo seu caso – a duvidar da própria história. E isso mudará sua vida.

Momentos frios, mesmo em situações delicadas

Em paralelo a tudo isso, outros crimes sexuais vão ocorrendo em outras cidades, mas seguindo o mesmo tipo de ritual: as vítimas são presas, surpreendidas dentro de casa, submetidas a sexo forçado, fotos entre outras minúcias. Até que as detetives Grace Rasmussen e Karen Duvall (Toni Colette e Merrit Wever, respectivamente) acabam se unindo para investigar os casos. Tudo isso, a quilômetros de distância de Marie.

De forma muito bem estruturada, somos apresentados aos núcleos principais, sempre focando na trama e jamais romanceando crimes ou criminosos. Pelo contrário. Vemos de perto o sofrimento das mulheres vítimas e o crescente sentimento de vingança nas detetives, que por sinal, já formam uma das melhores duplas de séries policiais em muito tempo. Toni Colette, como sempre, mostra que pode viver qualquer tipo de papel, seja no cinema ou TV. Já Merrit Wever mostra a competência e a simpatia necessária para destoar da colega e entregar a clássica dualidade entre policial linha dura e policial com mais coração. Ambas dão show em tela.

Merrit Wever e Toni Colette formam a nova melhor dupla das séries de TV

A história é contada de forma intercalada. Ora vemos Marie, ora vemos a investigação da dupla, que conta ainda com um grande time (feminino) de apoio. Aliás, ponto para a produção ao conseguir deixar fluir a trama sem entrar em uma série de clichês possíveis em uma narrativa policial. A história anda sem a necessidade de grandes acontecimentos ou situações mirabolantes, tais como provavelmente devem ocorrer na vida real. E essas histórias se cruzam para a resolução final, que vai dar novos e surpreendentes contornos, seja para as atitudes de Marie, quanto para o trabalho das investigadoras.

Inacreditável é acima de tudo uma série de protagonismo feminina. São elas as personagens fortes e resilientes que lutam e até burlam algumas convenções policiais, em busca da justiça e da prisão de um abusador em série. São elas também que sofrem com tudo que acontece, enquanto os homens ao redor parecem não dar muito crédito para pistas ou mesmo crimes que aconteceram embaixo de seus próprios olhos. É uma série caprichada, como poucas na Netflix. E mostra que na vida real, até mesmo quem deveria ajudar pode ser um novo obstáculo, tudo por julgar pelas aparências.

A Vigília Recomenda!

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *