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Hereditário: terror de verdade | Crítica

Esqueça os filmes de terror habituais, daqueles que nos preparam, nos assustam, e no final nos explicam tudo de forma didática, com a provável protagonista se salvando de tudo. Em Hereditário, que estreia no Brasil no dia 21 de junho, o gênero sai do padrão, e mesmo que nos condicione à temas que já foram apresentados durante toda a história do cinema, aqui os caminhos tem outra personalidade e nos entregam uma experiência diferente. Diferente não do ponto de tensionar a plateia por alguns instantes. Mas de tensionar a plateia a ponto de ficar no íntimo, criando a sensação de que o que foi visto pode mesmo voltar a assustar, mesmo alguns dias após a sessão. Um quase trauma. Mesclando tragédias familiares com espiritismo, maldições, fantasmas e seitas, não é à toa que o longa foi muito bem recebido pela crítica em Sundance. Foge de qualquer pastiche de grandes produções do gênero.

Hereditário é a estreia cinematográfica do diretor e roteirista Ari Aster. E já se pode considerar uma estreia marcante. Após a morte da matriarca Ellen, a família Graham vai perceber que uma tragédia familiar pode se aprofundar para temas cada vez mais obscuros. A primeira cena já é o anúncio fúnebre de Ellen. A herdeira Annie (Toni Collette) fica transtornada e começa a buscar ajuda. No entanto, uma nova e ainda pior tragédia está por vir. Pistas sobre as coisas estranhas vão aparecendo em várias situações. E até mesmo o que parecia uma atitude para proteger a família só vai piorar as coisas.

 

Toni Collette mostra toda sua versatilidade.

 

Aster não tem vergonha de plantar um sem número de ocasiões e pequenos detalhes que jogam o público para determinada linha de pensamento. Faz parte do seu joguinho sobrenatural dentro de um drama familiar. Além de Annie, somos apresentados também ao seu marido, o desligado Steve (Gabriel Byrne – um clássico dos filmes de terror) e os filhos Peter (Alexx Wolff, que esteve esse ano em Jumanji: Bem-Vindo à Selva) e a pequena Charlie (Milly Shapiro, desde já uma marca registrada do filme). É nesse núcleo, e em uma casa afastada da cidade que teremos algumas experiências um tanto incômodas.

O capricho na construção e montagens de cenas dão um ritmo sinistro ao filme, somadas ao tom sombrio que tradicionalmente cercam as produções do gênero. As transições entre as cenas e as maquetes feitas por Annie às vezes nos dão impressão de que alguma coisa está conectada àquele ambiente. Além das maquetes, imagens, símbolos, passagens de luz (ou sombra) e algumas visões já constroem logo no início do filme toda atmosfera que vai ficando cada vez mais carregada. E tudo é guiado pelos integrantes da família Graham. No início mais com as crianças, depois quase que todo o tempo com Annie, com Toni Collette (Tudo Que Quero) mostrando toda sua versatilidade, seja em diálogos à mesa de jantar, seja transitando entre sonhos e realidade. E os principais golpes em sua sanidade acentuam sua busca por respostas, sem que as pessoas que a cercam possam realmente compreender tudo que se passa. Fora tudo isso, todo um passado familiar – e não é coisa boa – vai nos sendo contado aos poucos. A casa e todo ambiente criados em torno de Annie também passam a ser um importante personagem. Como mencionei, Aster não tem medo de jogar muitas referências e simbologias na tela em vários momentos.

Milly Shapiro desde já entra na iconografia do cinema de terror

A participação da caçula Charlie também já marca a curta carreira de Milly Shapiro. É dela a condição das expressões marcantes, com sua fisionomia explorada e acentuada a um comportamento estranho, deixando tudo ainda mais sinistro e icônico. Não à toa, ela estampa também grande parte dos cartazes oficiais de Hereditário. A sua história no longa amplifica ainda mais sua capacidade de traumatizar o público.

Escrever sobre Hereditário também não deixa de ser um exercício de rodeios. Não é uma produção que seja fácil descrever, ainda mais sem cair em pistas ou mesmo spoilers. Hereditário é um terror com letras maiúsculas, que nos assusta não pelo take rápido e som estourado nos seus ouvidos, mas pela construção sinistra de que a qualquer momento algo ruim pode acontecer. Na cadeira, você até poderá torcer, por A ou B, mas aqui é tudo diferente, e o final, que foge a todo padrão do gênero, é o que pode fazer a produção destoar ainda mais.

Veredito da Vigilia

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