Estou Pensando em Acabar com Tudo | Crítica
Saudades de um filme assinado por Charlie Kaufman? Então chegou a hora de acabar com esse sentimento, pois “Estou Pensando em Acabar com Tudo”, estreia no dia 4 de setembro no catálogo da Netflix. O autor de pérolas como Anomalisa, Adaptação, Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças agora nos propõe a adaptação do livro de mesmo nome, do autor Iain Reid, focando no relacionamento do casal formado por uma jovem (é assim que ela é descrita), vivida por Jessie Buckley, e Jake (Jesse Plemons). Mas é claro, quando a produção leva o carimbo do roteirista e diretor, nada é convencional. Se você já conhece o estilo, prepare-se, pois Estou Pensando em Acabar com Tudo é Charlie Kaufman sendo Charlie Kaufman.
É interessante pensar nesse novo filme de Kaufman e em todas as possibilidades que ele abre. Muito provavelmente cada um terá uma interpretação diferente de tudo que está se passando na tela. O próprio Kaufman ressalta isso em entrevistas logo após as exibições de seus filmes. “Estou pensando em…” é um filme de relacionamentos e reflexões sobre ele, sobre arrependimento, carência afetiva e as possibilidades da existência humana. De forma brilhante, o longa vai nos fazer projetar várias situações que poderão acontecer na tela. Certamente você vai errar miseravelmente todas elas. Tudo inicia com Jake e a sua “jovem namorada” encarando a estrada em um dia de nevasca para visitar os pais fazendeiros em uma cidade no interior. Desde os primeiros segundos já vamos saber que tudo está em cheque na cabeça da moça que vai conhecer os pais do namorado. Principalmente o futuro da relação.
O que seria uma road trip cheia de clássicas DRs (discussão de relacionamento) toma a primeira parte do longa. Muitas vezes cheguei a cogitar que toda a trama se passaria nesse cenário gelado do carro em movimento e homem e mulher conversando. No entanto, até mesmo a chegada na casa dos pais de Jake é abrupta. Kaufman está apenas começando seu malabarismo de metáforas. Essa chegada, é como se um novo filme fosse começar.
Um outro filme começa
Nesse novo filme, deixamos de lado o cenário de discussões e pensamentos sobre relacionamentos para algo fácil de se estranhar. Saímos de dentro do carro e entramos num casarão de interior. O que se mantém é a frieza. Tanto do clima, quanto dos diálogos. E aqui temos o acréscimo marcante dos pais de Jake, vividos bizarra-estranha e brilhantemente, por Toni Collette (Hereditário, Inacreditável) e David Thewlis (Mulher-Maravilha, franquia Harry Potter). Assim como a protagonista, ambos não são nomeados. Você pode acreditar que as coisas ficarão ainda mais incomuns. Basicamente Kaufman consegue flertar expressivamente com o gênero de terror (numa pegada Midsommar, Hereditário), mas sem perder sua identidade, garantida por cores, pelo formato quadrado de tela (o 4:3, antigo formato da televisão), movimentos e idas e vindas que nos remetem até mesmo a viagem no tempo.
Além das ótimas interpretações de Jesse Plemons e Jessie Buckley, a chegada na casa dos pais nos aponta para cenas marcantes com Toni Collette e David Thewlis. Aliás, passou da hora de Toni receber alguma indicação às grandes premiações de Hollywood. Ela pode dar vida a qualquer personagem que quiser. As nuances de trocas de cenários (e épocas) durante a janta de apresentação da namorada mostram toda a versatilidade desse núcleo do filme, e todos entregam muito. Não se sinta sozinho ou perdido nesses momentos, as coisas a cada cena ficam realmente mais estranhas. Tão estranhas ao ponto de questionarmos se a nossa protagonista realmente existe, ou tudo é só um mergulho na vida de Jake. Afinal, a própria namorada e a forma em que o casal se conheceu passam a ter diferentes versões de origem.
Estou Pensando em Terminar com Tudo, por si só, é um filme cheio de gatilhos. Sobre repensar e revisar o relacionamento e todos os seus contextos. E depois de passar por momentos de Antes do Pôr do Sol e Hereditário – sempre com contornos e adereços com a marca de Kaufman – você vai ficar se perguntando “O que foi que aconteceu aqui, afinal?”. Novamente você não estará sozinho, é Charlie Kaufman sendo Charlie Kaufman.
A Vigília Recomenda!