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A Filha Perdida é sobre maternidade e feminismo

Elena Ferrante é um expoente na literatura feminina. Dificilmente você não leu ou não entrou em contato com a obra dela. Agora, um de seus livros virou filme. A Filha Perdida chegou no último dia de 2021 na Netflix e já está fazendo barulho.

Protagonizado pela excelente Olivia Colmann (a Rainha Elizabeth, em The Crown e oscarizada por A Favorita), o filme fala sobre a maternidade, as escolhas e a culpa materna. Mostra como é difícil para uma mulher ser mãe e ser profissional. E como a escolha pela carreira pode vir carregada de uma culpa imensa.

Leda (Olivia) é professora universitária e vai tirar férias, sozinha, em uma ilha grega. O local, que parece perfeito, logo vai mostrando seu lado B, sua parte ruim. As frutas que parecem lindas estão podres. A brisa que parece reconfortante bate e traz insetos. O farol que parece lindo, ilumina o quarto demais.

É uma analogia à nossa vida e a como enxergamos tudo de acordo com recortes. E, principalmente, como vemos a vida do outro pelos pedaços que eles querem nos mostrar. Como diria a frase que viralizou em 2021 “e fora dos stories, você está bem?”. Porque, em 15 segundos, vemos um momento minúsculo da vida de alguém, que muitas vezes, preparou todo aquele cenário ou tirou diversas fotos para postar apenas a melhor. E é com essas fotos que comparamos nossas vidas.

Quando Leda entrou no apartamento e viu o farol, me lembrei muito da história de Sophie Toscan du Plantier, que foi tema de uma série documental da Netflix chamada Sophie: Assassinato em West Cork. Por desconhecer o livro de Elena Ferrante, por um momento pensei que a história iria para esse lado, mas fui felizmente surpreendida. Não existe um vilão, um assassinato ou até mesmo um plot-twist nesse filme. A Filha Perdida é um filme sobre a vida.

Particularmente, gosto muito de obras com essa temática. Aqui no Brasil, elas não fazem tanto sucesso. Novelas como A Vida da Gente e Amor de Mãe fizeram menos sucessos que as novelas que tinham mocinho e vilão bem delineados. Porém, acredito que a vida é assim. Salvo algumas exceções, ninguém é totalmente bom, nem totalmente mau. Existem arranjos, períodos da vida, momentos em que o nosso pior ou o nosso melhor vão sobressair.

É isso que vemos com os flashbacks de Leda. Talvez ser mãe não era o seu melhor, mas ser pesquisadora sim. E por que toda mulher precisa ser uma boa mãe? Mães são humanas, são pessoas. Relações entre mãe e filhos são relações. E ainda existe um agravante: são relações compulsórias. Leda, como muitas mulheres, não se viu completa na maternidade. Precisou sair, tomar um ar, respirar. E quantas vezes ela não foi julgada? E quantas vezes ela mesma não julgou seu comportamento?

Sempre que falamos em mães, precisamos lembrar que instinto materno não existe. É só mais uma invenção do patriarcado. Teoricamente, existem dois adultos para cuidar de uma criança. A única diferença é que a mãe (em uma relação heteronormativa) que gesta e, em diversos casos, amamenta. Mas, o restante de todas as obrigações, devem ser dos dois. E por que o homem nunca é cobrado quando some? Quando prioriza a carreira? Porque a sociedade sabe que é mais fácil culpar as mulheres.

Dakota Johnson vive Nina, uma mãe cansada em A Filha Perdida
Dakota Johnson vive Nina, uma mãe cansada

Abordar a maternidade compulsória, o esgotamento materno é importante. Em algumas cenas, principalmente de Nina (Dakota Johnson, da trilogia 50 tons) e Leda jovem (Jessie Buckley), ficamos irritados com a criança chorando sem parar e nos pegamos pensando “POR QUE RAIOS ELA NÃO FAZ NADA?” sem pensar que essa pessoa talvez também não aguente mais.

A sociedade precisa acolher as mães, olhar com carinho para cada uma delas. É muito fácil acharmos que “quem pariu Matheus que embale” enquanto o certo seria ter uma aldeia para criar uma criança. 

A Filha Perdida é um excelente filme para repensarmos a relação das mulheres com a maternidade. É um filme de observação, de construção, em que tudo faz sentido, nem que seja no segundo momento. É uma história para ficar reflexivo e pensar em como as coisas estão delineadas na nossa sociedade. Maggie Gyllenhaal, foi muito feliz em sua primeira empreitada no cinema no papel de diretora e roteirista.

Veredito da Vigilia

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