Crítica

Uma Garota de Muita Sorte é intenso e poderoso

“Uma Garota de Muita Sorte” mistura drama e suspense em uma trama intensa e envolvente. O novo longa original da Netflix nos joga para uma história de “ficção e realidade” e que, infelizmente, é muito relacionável aos dias de hoje.

No centro de tudo temos Mila Kunis (Meu Ex é um Espião) como protagonista. Ela interpreta Ani FaNelli, uma mulher que sobreviveu a um tiroteio em massa em uma escola durante a adolescência e que passou por diversos abusos, mas que conseguiu superar seus traumas e chegou ao topo do mundo.

A primeira impressão que o longa passa é uma energia ao estilo de “Garota Exemplar” (Gone Girl, de 2014, com Ben Affleck e Rosamund Pike): tenso, cheio de reviravoltas e sobre uma mulher que não é bem o que parece ser. E no final das contas, o filme acaba sendo tudo isso … e muito mais.

Na trama, acompanhamos Ani em um ótimo período de sua vida: noiva de um herdeiro bonito (Finn Wittrock, de American Horror Story), colunista de uma revista famosa, a Woman’s Bible, prestes a chegar ao The New York Times. Ela tem “tudo”. Ela PRECISA ter tudo. Conforme a trama vai se desenrolando, vamos descobrindo o quanto a sua escalada para o sucesso e para a aceitação de todos foi baseada em uma personagem que ela mesma construiu. E o quanto os fantasmas do passado a atormentam diariamente.

Narrando a própria história, Ani já ressalta, na primeira cena do filme, que é uma fraude. E tudo, a partir disso, vai consolidando essa sentença. Dos pequenos aos grandes atos, desde fingir comer pouco na frente do noivo e, enquanto ele vai ao banheiro, devorar duas fatias inteiras de pizza e culpar a garçonete, Ani vai mostrando que além de protagonista, teve que se tornar a roteirista de sua própria história.

Os flashbacks do passado, intercalados com devaneios da personagem, vão nos mostrando a sua adolescência conturbada como bolsista de uma escola privada de alto nível. A vontade de agradar a mãe (Connie Britton, também de American Horror Story) e de pertencer ao grupo vão levando “FaNelli” (apelidada pelo sobrenome) a se enturmar com os populares da escola. Amizades aparentemente inocentes, mas que rapidamente vão se tornando uma experiência caótica.

Isaac Kragten é Liam e Chiara Aurelia é a jovem Ani. Cr. Sabrina Lantos/Netflix © 2022.

A história de Ani já foi muito retratada nas telas, com o combo garota alcoolizada + garotos mal intencionados e cruéis. Estupro é a palavra que precisa ser dita. É a palavra que Ani tem dificuldade de pronunciar, mas que faz parte de sua história. Isso não é um grande spoiler, preciso trazer o tema aqui para de fato debater a relevância do filme.

O estupro coletivo sofrido por Ani, na história, gera uma reação em cadeia de acontecimentos, trotes e catástrofes. E nesse ponto da história, não é mais possível pausar o filme. A trama nos leva para dentro da mente de Ani. Como se fôssemos parte de seu diário, estamos dentro de seus traumas, medos e anseios mais profundos, não compartilhados com mais ninguém. 

Por mais agoniante que toda a situação seja, o roteiro e a edição do filme surpreendem pela sua profundidade e capacidade de gerar essa conexão entre personagem e espectador. A partir disso tudo, inúmeras situações vão surgindo, como a impunidade dos abastados, dos ricos e dos homens; e como o slut-shaming (“slut” = vadia + “shaming” = envergonhar), termo usado para caracterizar o ato de humilhar mulheres por um comportamento considerado não aceitável pela “sociedade tradicional”, que pode acontecer por meio de insultos e/ou outras violências. 

Uma garota de muita sorte
Mila Kunis e Finn Wittrock em um “momento casal”. Cr. Sabrina Lantos/Netflix © 2022.

Os abusos que Ani sofreu na juventude são das mais diversas intensidades e, infelizmente, extremamente relacionáveis. Inclusive, Uma Garota de Muita Sorte é baseado no livro homônimo de Jessica Kroll, que incluiu histórias reais do seu abuso dentro da história. Já a direção ficou por conta de Mike Barker, que produziu e dirigiu episódios de Sandman (Netflix, 2022), Hit & Run (Netflix, 2021) e O Conto da Aia (Handmaid’s Tale, 2017-2019). Todos esses elementos somam para transformar o longa em um filme potente e marcante, trazendo também toda a versatilidade de Mila Kunis, que agregou muita força à personagem e ao enredo.

Triste, agoniante, intenso, mas com uma mensagem que precisa ser trazida para o mainstream e, ainda, com uma narrativa cinematográfica marcante. Uma Garota de Sorte com certeza merece o play e, se você for mulher, muito possivelmente, vá precisar de lencinhos no final.

Veredito da Vigilia

LEIA TAMBÉM:

Halloween Ends: o final esperado, mas …

‘Lobisomem na Noite’ abre novos caminhos para a Marvel Studios

Mais que Amigos é a comédia romântica que você precisa ver

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *