Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice e as obsessões de Tim Burton
Trinta e seis anos após o filme original, Beetlejuice (Michael Keaton) está de volta para assombrar e tirar sarro de mortos e vivos na melhor sequência do ano. Beetlejuice, filme de 1988 – que ganhou o curioso subtítulo Os fantasmas se divertem na versão brasileira, como era comum na década de 1980 – dirigido e produzido por Tim Burton é definitivamente um filme cult, esquisito, mas divertido ao mesmo tempo, que se mantinha entre a comédia e os elementos do terror, ou chamado terrir. O fandom do filme seguiu consumindo material ao longo dessas quase quatro décadas e se renovando geracionalmente através de elementos como roupas, acessórios, camisetas, tatuagens e tudo mais. E é nessa chave cult e divertida que o segundo filme opera.
A estética burtonesca (o gótico, as alegorias, as cores, a ironia etc) que já foi dissecada extensivamente em dissertações, teses e livros sobre o cinema do diretor nos cursos de cinema e comunicação – é retomada conjuntamente com o elenco do primeiro filme. Devido a uma tragédia no início da narrativa, as três mulheres da família Deetz voltam a se reunir: Delia, a madrasta (Catherine O´Hara), Lydia (Wynona Rider) e sua filha adolescente Astrid (Jenna Ortega, a Wandinha da série homônima). Em torno delas e de seu retorno para a casa de Winter River onde se desenvolve a história do primeiro filme, personagens igualmente interessantes e contraditórios como o produtor de TV e namorado de Lydia, Rory – interpretado por Justin Theroux e o Padre Damien (Burn Gorman de Batman, O cavaleiro das Trevas). Para além do “terrir” (terror + riso), um certo drama familiar é acrescentado nos remetendo a um aspecto que Burton desenvolveu muito bem, por exemplo em Big Fish, Peixe Grande e suas histórias maravilhosas de 2003.
Em algumas linhas de diálogo, o espectador é situado no universo do filme anterior, tendo o contexto dos acontecimentos, demonstrando que apesar de focar nos fãs entusiasmados da obra, a produção também acena aos que estão chegando agora.
Mas a força motriz e a emoção do filme certamente reside no trio Beetlejuice, Lydia e Astrid em uma química que transcende a tela tanto nos momentos de risos quanto nas relações mãe e filha adolescente que atravessam a história. Até o momento, culturalmente, Jenna é a herdeira de Wynona (e talvez aí o sucesso da parceria), nossa atriz rebelde dos anos 1980-90, que se reinventou, ícone do cinema e admirada por uma legião de meninas esquisitas demais para se identificarem com os padrões inatingíveis daquela época.
Lydia virou uma vidente que lida com fantasmas em um programa de TV, enquanto sua madrasta, Delia, é uma artista performática. As ironias do roteiro de Alfred Gough (Smallville e Homem-Aranha 2), Miles Millar (também de Smallville e Homem-Aranha 2) e Seth Grahame Smith (Lego Batman) sobre mainstream e underground, sobre ser autêntico e se vender em Hollywood e na vida, dão o tom certeiro às imagens de Burton. O diretor volta ao puro suco (ou seria besouro-suco?) de suas obsessões como a cidade pequena, as relações entre vida e morte, a predileção pelos personagens outsiders, estranhos e que não se encaixam na sociedade, além dos contrastes entre a comédia e o drama e a enxergar a beleza na imperfeição e no macabro através do humor.
Já Michael Keaton dispensa apresentações. Ele é o próprio “showman”. Beetlejuice volta ainda mais afiado nas piadas, nas expressões faciais do papel do diabo-fantasma e nos hilários momentos musicais, interagindo e tocando o terror literalmente nas duas dimensões, dos mortos e dos vivos. Os coadjuvantes de luxo como Danny De Vito, Willem Dafoe e Monica Bellucci, entre outros, completam o time e a dinâmica dos personagens. A trilha sonora original traz a assinatura de Danny Elfman, parceiro de Burton em inúmeras produções e a escolha do repertório adaptado funciona muito bem em cenas importantes do filme.
O figurino de Colleen Atwood – que também foi a figurinista do primeiro filme e de Sweeney Todd (2007) e Chicago (2002) – é lindamente extravagante, conferindo relações entre os filmes como o clássico e fulgurante vestido vermelho de Lydia, que já foi referenciado até em um videoclipe da cantora Anitta. Cada peça é um elemento que nos remonta a diferentes estéticas e períodos em uma simbiose perfeita com a narrativa. O filme traz fan-services bem sacados e uma narrativa ágil, sem cair no exagero nostálgico trazendo – para além do meme – diversão para crianças, para góticos e para crianças góticas nos provando que é possível envelhecer e manter a identidade de uma obra.