CríticaQuadrinhosSériesTelevisão

O Legado de Júpiter tem tudo para ser o fracasso do ano

Algo de muito errado se abateu na adaptação de O Legado de Júpiter para a Netflix. A culpa talvez seja do próprio estúdio, mas, não gostaria de escrever essa crítica apontando o dedo ou culpados logo de cara. Na verdade, essa introdução já foi pensada de várias maneiras. A mais sincera delas seria com uma sequência de pontos de interrogação. Expondo uma grande dúvida. E essa dúvida foi o que pairou os meus pensamentos durante toda a experiência de acompanhar os primeiros oito episódios da história elaborada nos quadrinhos por Mark Millar e Frank Quitely. Afinal, o que eu estava assistindo?

https://youtu.be/78QltZcT7Ws

A série tem a produção executiva dos próprios autores e de gente bem experiente, como Steven S. DeKnight (Demolidor/Netflix, Círculo de Fogo: A Revolta) e que já provaram seus valores com séries e filmes competentes. Mas, infelizmente, a primeira grande aposta do MillarWorld (adquirido em 2018 pelo serviço de streaming) nas telinhas tem tudo para ser um dos grandes fracassos do ano. Focada em uma ideia que virou a nova corrida pelo ouro nos estúdios – uma sociedade reimaginada com a existência de super-heróis e suas graves consequências – ela acaba não criando um senso básico de direção para o espectador. Desde o primeiro episódio (o pior piloto que eu me lembro de ter visto nos últimos anos) não há um rumo ou destino traçado. As coisas simplesmente vão acontecendo, jogadas na tela e destilando efeitos especiais bem questionáveis (ora parecem incríveis, ora parecem horríveis) e interpretações bem aquém do esperado para o gênero, que é um dos mais procurados pelos fãs e maratonistas de séries hoje em dia.

o legado de júpiter trailer
Andrew Horton é Brandon Sampson em um dos poucos bons respiros da série

E se a falta de direção já é sentida logo de cara, ela vai se ampliando com o andar da carruagem, quando temos a trama dos dias atuais sendo mesclada com a história de origem desses super-heróis (na década de 40 ou 50) que formam a União da Justiça. O que deveria ser uma história centrada em questionamentos interessantes, como o legado dos heróis para as novas gerações e o quão disfuncional pode ser uma família de ‘supers’, acaba se confundindo com o processo dessa origem. Ao invés de termos esses questionamentos ilustrados em tela, a história se pulveriza, ao cabo de não ficarmos realmente preocupados com os problemas propostos e expostos de forma pouco convincentes. Nesse aspecto, talvez ela funcione um pouco (bem pouco) melhor para aqueles que já venham com a bagagem das HQs. Ao mesmo tempo, isso é um erro importante quando é necessário angariar um público de fora dessa bolha.

o legado de júpiter josh duhamel
Josh Duhamel é Sheldon Sampson, um dos pontos fracos da série

O aspecto visual da série por vezes consegue replicar as texturas da arte de Frank Quitely, mas a maquiagem e os figurinos pecam. A fidelidade procurada em tela não funciona tão bem, dando ao personagem Sheldon Sampson, o Utópico (Josh Duhamel, o rosto mais conhecido por aqui), por exemplo, uma peruca branca difícil de aceitar. Isso tudo mesclado em algumas cenas de ação com os efeitos errantes fere ainda mais a experiência. No elenco também temos Leslie Bibb como Lady Liberdade, esposa de Utópico, Ben Daniels como o Onda Cerebral, Elena Kampouris como Chloe, a filha problemática, Andrew Horton como Brandon, o filho que segue os ensinamentos dos pais, Matt Lanter como SkyFox e Ian Quinlan como Hutch. Entre todos, talvez a estrela de Duhamel seja uma das escalações mais problemáticas.

o legado de júpiter leslie bibs
Leslie Bibb é Grace Sampson em O Legado de Júpiter

Outro grande problema da primeira temporada de O Legado de Júpiter – sim, temos uma história incompleta – é dar profundidade à história de origem, prometendo e não cumprindo. Certos obstáculos são criados com uma dramaticidade exagerada e que não são recompensadores. Em muitas vezes temos Sheldon liderando uma expedição absurda para um lugar desconhecido e convencendo toda uma equipe sem qualquer tipo de argumento cabível. A suspensão da descrença fica prejudicada também em diálogos que tentam ser rebuscados, mas o drama parece forçado, mais atrapalhando do que agregando à narrativa. Por vezes, esses diálogos são enfadonhos. Vale lembrar que no audiovisual, o poder de síntese e de sugestão pode às vezes ser melhor do que o expositivo. Cenas que prometem um grande desfecho também são cortadas abruptamente, desvalorizando o próprio trabalho de câmeras.

o legado de júpiter
Mesmo o “grande vilão” acaba sendo só mais um momento de vergonha na história

Como mencionei anteriormente, a corrida do ouro atualmente dos streamings é ter o seu próprio The Boys, ou mesmo um Invincible. Histórias e obras dos quadrinhos surgem aos montes para que cada um deles tenha a sua fatia. No entanto, apenas cenas coloridas, violência gráfica e heróis sendo expostos em suas relações sexuais não fazem e não são o caminho correto se a história é mal contada já em seu início. O Legado de Júpiter se perdeu em sua própria ideia de grandiloquência e não traduziu na tela uma história competente, agradável e que conquistasse por seus questionamentos de mundo com superseres. E mesmo com tudo isso, vale apontar que a produção pode sim ter sucesso de views. Mas para uma segunda temporada, precisará melhorar demais para aliar quantidade com qualidade.

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *