Jordan Peele mostra um novo repertório em “Não, Não Olhe!”
Com certo prazer, começo a escrever minha terceira crítica de um filme de Jordan Peele. Depois de Corra! e Nós, chegou a vez de falar sobre “Não, não olhe!”, que chega aos cinemas brasileiros no dia 25 de agosto, já com um certo atraso em relação ao seu lançamento nos Estados Unidos. E “Não, não olhe!”, ou “Nope”, no original, pode ser o mais divisivo da curta, mas original e impressionante carreira de Peele como diretor. Depois de trazer dois filmes com fortes críticas sociais, agora ele opta por uma obra menos explícita por este importante aspecto, mas igualmente criativa em sua forma de apresentar, ao mesmo tempo que imprime sua assinatura como um diretor que também é autor. Se não é o melhor de seus filmes, é uma programação certeira (imperdível) para quem já gostou de seus antecessores.
A trama se passa em um rancho da Califórnia onde a família Haywood cria e adestra cavalos para que sejam usados em filmes e propagandas em Los Angeles e todo o centro pulsante do audiovisual em Hollywood. Mas, um acontecimento estranho leva os irmãos OJ (o oscarizado Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer, que recentemente emprestou sua voz na animação Lightyear) a buscar novos recursos e saídas financeiras para uma atividade que não tinha mais o potencial de outras épocas. Principalmente após a um enigmático evento que culminou na morte de seu pai (Kaith David). Em um cenário árido, com montanhas, muito sol e muitas nuvens (preste atenção nelas), vemos o rancho dos Haywood interagir com o vizinho bem sucedido Rick Park (Steven Yeun) que tem um parque com a temática do faroeste e atividades de cowboy. Mas, é claro, não é só isso. Nunca é.
É quando os irmãos Haywood perdem o pai em um incidente um tanto quanto inusitado, que as coisas começam a ficar cada vez mais estranhas e preocupantes. É difícil falar sem dar spoilers, mas é bom alertar que Jordan Peele troca o terror urbano para um quase western de terror com altas doses de ficção científica. É interessante destacar também que apesar do terror e alguns sustos, “Não, Não Olhe” tem momentos e uma história paralela que resgata o tom de estranheza muito bem apresentado em seus filmes anteriores. Arrisco a dizer que até vemos uma certa marca registrada. Peele volta a imprimir sua direção em uma história original assustando de diferentes formas e caindo mais para o lado de questões alienígenas do que propriamente seitas malignas ou a mitologia de um povo que possa viver à margem da nossa realidade. Como já relatei, as metáforas aqui não são tão claras quanto em Corra e Nós.
Um dos grandes trunfos do terceiro filme de Jordan Peele é se agarrar a uma trilha sonora original e uma edição de som marcante. A todo momento ela nos conduzirá para momentos de tensão, estranhamento, sufocamento e aquela ansiedade para saber tudo que está acontecendo. Você pode até querer prever algum movimento futuro da história, mas dificilmente você conseguirá imaginar um pouco do que lhe espera da metade até o final do longa. E isso faz parte dos bons momentos de “Não, não olhe”.
Nos Estados Unidos já se começou uma campanha para que as pessoas assistam o filme por uma segunda vez. E é notório que, realmente, uma única sessão pode nos deixar de fora de muitas camadas e questões apontadas pelo filme. Mas isso não chega a ser um grande problema. Não, Não Olhe se sustenta bem e se dá ao luxo de contar uma história paralela (essa sim com dois pés no terror) que traz a pitada de estranhamento e talvez os maiores questionamentos sobre o que se passou na telona. Novamente, isso faz parte do show de Peele, e podemos nos deixar levar sem medo (ou seria com?).
Em um cinema e uma indústria que adoram franquias milhonárias e grandes nomes, Jordan Peele surge como um bálsamo, sempre com conteúdos originais e inovadores. Mesmo que Nope não seja seu melhor filme, vale com certeza o ingresso a noção que poucos diretores hoje em dia conseguem manter: chamar o público por ele ser quem é. Assista e tire suas próprias conclusões.