Dica de Quadrinhos: Berserk usa fantasia medieval para falar de determinismo

Existem pessoas que acreditam no destino e que tudo o que vamos viver já foi escrito por algum ser supremo, que nos move como peões em seu tabuleiro divino. No mangá de Berserk, iniciado em 1989 por Kentaro Miura (que aparentemente publica seus capítulos quando quer), acompanhamos uma trama que fala justamente sobre como o destino coloca e tira pessoas do nosso caminho, mudando drasticamente a nossa vida.

Guts, uma criança que já nasceu amaldiçoada pelo fato de sua mãe ter dado à luz enquanto era enforcada (quer tragédia maior que essa?). A criança milagrosamente sobrevive e é encontrada por Siss, esposa de Gambino, um guerreiro que comandava um bando de mercenários. A mulher insiste em ficar com o bebê, uma vez que estava deprimida desde a perda de seu filho por meio de um aborto espontâneo. A partir daí o destino começa a pregar uma peça na vida de Guts. A primeira delas foi a morte de Siss, alguns anos depois, fruto de uma doença. Porém, Gambino atribui o falecimento dela ao menino, já que este era “amaldiçoado”.

A partir daí, o pai adotivo nutre um ódio mortal ao menino, que a esse ponto, já crescia em meio ao caos das batalhas em que os mercenários participavam. Esse ódio vai crescendo até o momento em que Gambino faz coisas horríveis com Guts, que vão marcá-lo pelo resto da vida.

Após sair do bando de mercenários, Guts se torna um sobrevivente, crescendo em estatura e força, uma vez que sempre manuseou uma espada que era desproporcional ao seu tamanho. Então temos o destino agindo de novo, colocando o jovem mercenário no caminho do Bando do Falcão, liderado por Griffith. O guerreiro de beleza estonteante e belos cabelos nem parece um combatente, muito menos o líder de cavaleiros que realizam missões em troca de dinheiro. Ele está mais para um príncipe encantado em seu cavalo branco. E isso é proposital, já que Guts é bruto, sempre está cheio de sangue e possui inúmeras cicatrizes, enquanto que Griffith não possui um arranhão. Os dois são lados opostos da mesma moeda, como o dia e a noite; quente e frio; abaixo e acima; Batman e Superman (ops).

Enquanto vemos ao longo do mangá um Griffith frio, calculista e ponderado, do outro lado está um Guts impulsivo, imaturo e sem jeito para lidar com as pessoas, como por exemplo, com a segunda no comando do Bando, Casca, que nutre uma gratidão, sendo classificada quase como um amor platônico por Griffith. Ela e o guerreiro brucutu não se bicam desde o início da história, mas isso muda ao longo dos acontecimentos. Ainda falando da comparação dos dois guerreiros, até suas espadas são reflexos de suas personalidades, com a de Guts sendo pesada, sem fio e visualmente chamativa, enquanto que Griffith utiliza uma arma de esgrima, leve, precisa e cheia de adornos que a tornam mais delicada.

E são justamente pelas viradas de roteiro que Berserk pode te fisgar. Vale lembrar que os fãs não abandonarem o mangá, mesmo depois desses mais de 30 anos. O determinismo imposto à vida dos personagens, criando situações como se eles estivessem fadados a tudo aquilo e se, algum dia, conseguirão mudar esse rumo, é o grande charme. Ver também o impacto que Guts e Griffith causam um na vida do outro é quase um conto de fadas às avessas, provando – literalmente – que nem tudo é preto no branco. 

No Brasil o mangá é publicado pela editora Panini. Para quem quiser assistir, até o momento desta publicação, o anime de Berserk, que contempla o segundo arco da história original, está sendo exibido pela Loading TV, no bloco Madrugada Crunchyroll, que vai ao ar de segunda a sexta, a partir das 23h45.