CríticaFilmesQuadrinhos

Coringa: crueza e insanidades dominam o filme do ano | Crítica

Coringa (Joker) chega aos cinemas com forte impacto dramático e visual. O longa de Todd Phillips (trilogia “Se Beber, não Case”) é desde já um marco histórico no cinema relacionado aos personagens de quadrinhos. É um filme de origem de um vilão. Talvez o maior deles. E para isso, não poupa na violência, doenças sociais, mentais, tormentos, dor, angústia e caos. A brincadeira é tão séria que Coringa já pode ser considerado um dos melhores filmes de origem no hall das adaptações de quadrinhos para as telonas. Mesmo que ela seja uma incógnita até mesmo para os fãs vindos da nona arte.

E a mistura toda de Coringa é conduzida com maestria. Já pavimentada e premiada no Festival de Veneza, e que provavelmente vá figurar no Oscar. A chance de levar Melhor Filme e Melhor Ator existe, e não seria nenhuma injustiça. Todd Phillips criou um filme com estética marcante, história dramática, uma atuação impecável de Joaquin Phoenix, participação especial de Robert De Niro e muitas metáforas visuais. Tudo isso tendo como pano de fundo Gotham City e o maior herói da DC Comics: Batman, o Cavaleiro das Trevas. Talvez o que possa tirar essas possibilidades de prêmios pela Academia sejam as mesmas características que a jogam para cima: violência e toda a negatividade que se possa avistar em se aplaudir um vilão desse porte.

Joaquin Phoenix e Todd Phillips durante as gravações de Coringa

Logo nos primeiros takes vemos que, além de Arthur Fleck (Phoenix), o rádio e a TV serão importantes personagens, assim como a própria Gotham City. A cidade que está sempre doente é novamente retratada como um local assombrado, mas desta vez, vemos ela com uma estética mais verossímil e menos fantasiosa do que já foi vista anteriormente, seja pelas mãos de Tim Burton, Christopher Nolan, ou mesmo pelos fatídicos episódios com Joel Schumacher. 

A primeira cena do filme, e o cara já faz isso!

Nem é preciso dizer que Joaquin Phoenix rouba a cena. Ele precisa de dois movimentos faciais para mostrar o quanto se empenhou para entregar um comediante, o palhaço que o filme merece. É um papel para poucos. E aqui, ao contrário do que Alan Moore estabeleceu na HQ A Piada Mortal, onde qualquer pessoa precisa de um dia ruim para virar a chave da loucura, o nosso Arthur Fleck, na verdade, teve uma vida inteira ruim. E mesmo com toda a propensão à loucura, ainda tentou de alguma forma perguntar porquê a sociedade está tão doente. Infelizmente, ele foi vítima dela como um todo. Até mesmo o Estado e as Empresas Wayne têm sua parcela de participação na estruturação do Palhaço do Crime. Mas é claro, é preciso considerar. Não é pelo fato que entendemos a sua situação que possamos concordar com ela e, principalmente suas atitudes. E esse paralelo pode ser traçado para nossa sociedade atual. É preciso entender os vilões, mas não ser conivente com eles. No meio de todo mal que o cerca, ele ainda consegue, involuntariamente, colocar fogo na cidade.

A interpretação é tão marcante que as risadas são piores que as lágrimas

Arthur Fleck tem um distúrbio grave. Ele ri em situações que lhe ferem intimamente. E isso ajuda igualmente a ferir o espectador. Cada gargalhada é como se fosse um grande refúgio para lágrimas. E o seu jeito estranho de ser e agir vai piorar toda a situação. Tudo vem aos poucos.

Todd Phillips faz muitas metáforas visuais, e a primeira delas vai ser a de colocar Arthur na sarjeta, ao lado do lixo e tudo que há de impuro em uma cidade. A sua terapeuta não lhe escuta. Crianças lhe agridem. Até mesmo seus colegas palhaços lhe traem a confiança. A realidade se mistura com seu distúrbio mental ao ver a vizinha interpretada por Zazie Betz. Tudo é bem detalhado, ao ponto de vermos que o caderno de piadas do frustrado comediante é também o diário de um suicida, com toques muito escatológicos. O ambiente e o apartamento onde vive com a mãe também é um espaço de pouca vida.

Murray (Robert De Niro) encontra o palhaço que ajudou a construir

Os dias ruins de Arthur vão se acumulando até estourar em um crime cruel no metrô. O seu disfarce acaba virando uma sandice popular que será usada contra o sistema, semelhante ao que vimos em V de Vingança. A partir disso, todos que um dia pisam ou pisaram em Arthur, com destaque para o apresentador de TV, Murray Franklin (Robert De Niro), de quem ele era muito fã, acabam sentindo a ira de um ser sinistro configurado por tudo que a sociedade sempre descartou.

E a partir de consolidada a personificação maligna do ex-palhaço, uma nova metáfora visual aparece. Quando bom, Arthur subia as escadas em direção à sua casa. Ainda havia ar na superfície. Abraçado o lado sombrio, ele desce, como se fosse novamente para o lixo, ou mesmo para o inferno. E as cenas de violência são fortes. Chegando aqui, já vamos ter sofrido muito com o palhaço, que no final de tudo, ainda é atormentado por graves lembranças do passado. A conexão com Thomas Wayne é uma jogada inteligente do roteiro, que ainda deixa uma pulga atrás da orelha de todos.

Starway to Hell: já não há volta no caminho do Coringa

O final de tudo é quase apoteótico, se é que essa palavra pode ser usada para o mal. O estopim gerado em Gotham City traz o caos para as ruas. A sua aparição em um talk show traz cenas icônicas e uma nova interpretação inesquecível para as telonas. São tantas oscilações envolvidas que fica difícil não reconhecer o mérito cinematográfico de tudo que é apresentado. E o impacto cresce com uma nova (e repetidíssima) cena do universo do Homem-Morcego no cinema, que poucos esperariam ver novamente. A cereja no bolo é mais um toque artístico digno de um dos maiores vilões que os quadrinhos (e agora o cinema também) já viram.

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *