Com potencial, Ângela derrapa em sua própria intenção
“Ângela” deu o pontapé inicial à Mostra Competitiva dos longas nacionais do 51º Festival de Gramado. O longa dirigido por Hugo Prata (Elis, Coisa Mais Linda) explora uma tragédia nacional dos anos 70, dramatizando a história da socialite Ângela Diniz e (spoiler da vida) sua morte pelas mãos do então companheiro Raul Fernando do Amaral Street.
A ideia de dar voz a um famoso caso de feminicídio e valorizar uma pauta tão latente na sociedade atual é certamente louvável, porém, o longa opta por caminhos estranhos ao construir a jornada de seus principais personagens, perdendo a potência do que poderia vir a ser a história da então “Pantera de Minas”, e, acima de tudo, seu barulho como catalisador de pautas feministas. Nitidamente o longa fracassa na entrega final e na expectativa gerada por se amparar em um fato que marcou época.
Sempre entre a ideia inicial e o produto final está a intenção de seu criador. Por óbvio, podemos ver que a história de Ângela Diniz, vivida de forma competente por Isis Valverde (Simonal), não é um conto de fadas, tão pouco o filme quer “passar pano” para a vida de mulher independente e a fama que ela consolidou em uma década que sequer existia separação de casais. Hugo Prata nos joga para o Brasil de 74 ou 75 com ótima reconstrução e figurino, contando os últimos anos de Ângela. E nela vemos muita badalação e seus relacionamentos com o colunista social Ibrahim Sued (interpretado por Gustavo Machado) e Raul Fernando do Amaral “Street” (em destaque com a atuação de Gabriel Braga Nunes).
Em um turbilhão de possibilidades – relacionamento fracionado com o ex-marido e os filhos, novos relacionamentos, objetivos de vida e festas – o longa acaba deixando importantes nuances de fora, o que acaba fazendo falta.
Inicialmente, o longa sufoca por seus seguidos planos em locais fechados e closes, depois, flui melhor em seus segundos e terceiros atos, com a história mudando drasticamente de local, com o litoral servindo de escape e respiro para muitas transições. Mas o fato do filme se concentrar (em quase metade do filme) em cenas soft porn prejudicam que o espectador possa descortinar de vez a história principal. Chega a gerar incômodo a insistência em mostrar o “furor” do casal Ângela e Raul em seus momentos de intimidade, usando esse artifício de forma exploratória demais. Mais ainda quando eles acabam não ajudando tanto na necessidade de fomentar a virada do relacionamento.
Esse talvez seja o ponto de cisão do longa. O relacionamento que mais veremos em cena é justamente o da Pantera de Minas e de “Doca Street”. Apesar do longo tempo de tela e a competência inegável de seus atores, é ao final, quando deveria entregar o ápice, o longa se apressa de forma gigantesca, sendo contraditório ao tempo que entregou para outras situações menos necessárias. E essa pressa desperdiça um grande potencial e não entrega o que poderia ao público, resumindo seu desfecho a dois ou três takes secundários com a ajuda de legendas para dar o contexto histórico a tudo que passou e ao que acabamos de assistir. É como tomar o gol de empate aos 46 minutos do segundo tempo e não assegurar a vitória do time.
Ângela poderia entregar um final com muito mais vigor, e por isso, não cumpre a expectativa gerada.