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Trama de Boca a Boca traz vírus fatal e reviravoltas | Crítica

Boca a Boca, nova série brasileira da Netflix que estreou no final de julho, é a típica produção que pode enganar quem vê apenas o material de divulgação. A trama criada por Esmir Filho (diretor do hit Tapa na Pantera, sim, aquele mesmo!) é mais do que a sua sinopse promete: “Adolescentes de uma cidadezinha do interior do Brasil são ameaçados por uma infecção transmissível pelo beijo. Com uma trama sinistra e contemporânea, a série retrata os desejos de uma juventude digitalmente conectada, imersa em uma realidade física cheia de medo e desconfiança”. Instigante o suficiente, ela vai um pouco além, o que pode gerar dois tipos de surpresa aos mais desavisados. A surpresa positiva, que nos arranca uma sensação de espanto, ou a ruim, daquelas de torcer o nariz. Mas na modesta opinião deste jornalista que escreve essa crítica, Boca a Boca é acima da média. Superior a grandes produções recentes como Cursed e Warrior Nun.

Tudo acontece na cidade de Progresso. Típica cidade do interior brasileiro, daquelas com arquitetura portuguesa, com ruas com ladrilhos de pedras, uma praça central e um rio que corta tudo. A sociedade ali possui, assim como a maioria das localidades brasileiras, a parte rica e a parte pobre. E aquela clássica hipocrisia e distância entre adultos e adolescentes que já conhecemos. Na parte rica, grandes fazendeiros, criadores de gado. Na classe mais baixa, as famílias que trabalham para eles. Nesse contexto temos o núcleo forte formado por Chico (Micheal Joelsas), Fran (Iza Moreira) e Alex (Caio Horowicz). Chico é o recém chegado, um clássico nas histórias que se passam em escolas. Alex é o filho do fazendeiro (e vegano), e Fran a filha da empregada negra que trabalha para a família de Alex, cujo patriarca é interpretado por Bruno Garcia (Saneamento Básico). Agregam ainda ao elenco o peão Maurílio (Thomas Aquino, o Pacote de Bacurau), a diretora Guiomar (Denise Fraga, O Auto da Compadecida) e o irmão de Chico, Quim, interpretado por Kevin Vecchiato (o Cebolinha de Turma da Mônica: Laços).

Esmir Filho comanda os jovens Alex (Caio Horowicz) e Fran (Iza Moreira) em Boca a Boca

Após uma festa, daquelas que reúnem todos os adolescentes da cidadezinha, uma espécie de vírus se espalha e acaba matando alguns dos colegas do núcleo da trama. E claro, esse vírus se espalha com a troca de fluídos (daí o nome Boca a Boca). É nesse aspecto que a história nos fisga. A curiosidade nos faz querer descobrir o que está se passando por ali. Até aí, tudo vai bem, inclusive as cores fortes e as maquiagens que mostram as sequelas do novo vírus nos adolescentes. Tudo fica muito bem na tela, abusando da luz negra e o neon. A doença acaba afetando os sentidos da pessoas e os jovens vão se tornando basicamente vegetais (calma, não estão virando cenouras, mas sim entrando em estado vegetativo). De quebra, vemos que, mesmo eles sabendo que estão possivelmente infectados e de como eles podem espalhar o desconhecido vírus, eles continuam levando a vida como se nada tivesse acontecido. Quase um reflexo de uma tal pandemia que vivemos, não é mesmo?

O drama chega a ficar pesado. O vírus vai causando um estrago considerável. A trama é bem dinâmica (capítulos curtos e só seis episódios) e acerta nos grafismos e recursos visuais para recriar as redes sociais do momento. Mas, às vezes peca por não trabalhar determinados temas com mais esmero, e isso pode atrapalhar determinados momentos. Certas ações e consequências que seriam graves o suficiente para uma reação imediata dos personagens envolvidos acabam simplesmente não acontecendo, gerando uma estranheza que poderia ser evitada. Mas, há de se pensar ainda que estamos em uma série feita para um público que está saindo da adolescência (mas não é pra criança, viu galera!). 

Os três colegas traçam o mapa do contágio, coisa que nem o Ministério da Saúde conseguiu fazer na pandemia

É interessante também ver que o protagonismo do trio principal vai se espalhando bem durante os seis episódios. Cada um com sua característica bem própria, mas todos com algo em comum para além do vírus misterioso: problemas com suas famílias e a sociedade preconceituosa. E esses núcleos vão se cruzar em vários pontos da história, mesclando fatias de realidade com a premissa de ficção (científica?) que realmente eu não esperava lá nos últimos episódios. Fran tem dramas pessoais por sua condição social, trauma de infância e cor de pele. Alex com seus pais e um amor com uma personagem da internet, e Chico tem o irmão com limitações (ainda a serem exploradas) e um romance não aceito pelo pai evangélico com um homem mais velho.

Prontos para um Boca a Boca?

Todos esses ingredientes são realmente atrativos, até que a trama inclina para a possibilidade de que mutações genéticas estariam criando bovinos monstruosos. Esse é um momento crítico (surpresa boa ou torcida de nariz?), pois a história andava bem só com a questão do vírus letal, que, de uma hora para outra passa a não ser o problema principal. Soma-se a essa possibilidade de flerte com o terror trash os efeitos especiais de Boca a Boca, que até são usados com certa criatividade, mas pecam pela evidente falta de recursos técnicos (meia boca, para usar um trocadilho infame). Mas isso também acontece com outros hits da Netflix, e é importante ressaltar.

Ao final dos seis episódios, a guinada na trama é tão forte que deixa várias interrogações para uma segunda temporada (ainda não confirmada). Mas vale conferir. Já sabemos que se ela tiver um relativo sucesso, várias coisas podem ser corrigidas com um pouco mais de recursos para a sua continuação.

Veredito da Vigilia

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