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Benzinho e a Síndrome do Ninho vazio | Setembro Amarelo

“Daqui a dois anos ele vai ser outra pessoa, não vai nem reconhecer a gente”. Foram com essas palavras que a personagem Irene (Karine Teles) do filme Benzinho descreveu seu futuro após o filho Fernando (Konstantinos Sarris) anunciar que havia recebido uma oportunidade para viver e jogar handebol na Alemanha. Foi assim também que se iniciou um novo drama na vida de Irene: o momento que ela percebeu que um dos seus filhos iria embora pela primeira vez. Assim como ela, muitas mães sofrem muito quando veem seus filhos tomando outros rumos na vida, longe do olhar dos pais. O que passou a ser descrito como Síndrome do Ninho Vazio.

Perda do papel funcional

Quando um filho sai de casa, algumas mães acreditam que suas próprias vidas perdem o sentido. “Culturalmente a síndrome do ninho vazio está relacionada à perda do papel funcional dos pais devido à saída dos filhos de casa, causando nestes uma sensação de perda e solidão”, diz a psicóloga Josiane Pires. “A síndrome do ninho vazio é essa espécie de perda de sentido na vida, um excesso de vazio gerado pela saída dos filhos. Uma mãe que dedica sua vida a seus filhos, faz deles o centro do seu mundo, modifica sua rotina, molda seus finais de semana, suas viagens, abre mão de hobbies, e quando esses filhos saem de casa, o que fica é o vazio. Às vezes não apenas dos filhos, que é normal, mas de si”, complementa o psicólogo Luiz Mateus Pacheco. 

Negação

Irene está construindo uma nova casa para sua família. Quando surge uma discussão sobre a planta da obra, Fernando comenta que não precisam se preocupar com um quarto para ele, já que ele está saindo de casa e, assim, sobraria mais espaço para os outros três irmãos. A ideia não é bem aceita por Irene, que fica ofendida com a proposta do filho mais velho, tentando negar que Fernando vai realmente sair de casa e não participará desse novo momento na vida da família. Josiane explica que isso é normal, afinal, são tantos anos convivendo com os filhos que os pais nem pensam na possibilidade de algum dia estarem sozinhos. E isso também pode gerar um outro problema, observado por Pacheco, que é uma espécie de barganha dos pais para que os filhos permaneçam em casa. “Existem pais que oferecem certas vantagens para que os filhos permaneçam em casa. Mas geralmente essas barganhas são acompanhadas de uma ambivalência, porque nem sempre fica claro para os filhos se esses pais querem que eles saiam ou fiquem”, explica.

Irene (Karine Teles) sofre muito com a saída do filho de casa

Com uma vida agitada, Irene precisa dar conta dos outros três filhos menores, ajudar a irmã, Sônia (Adriana Esteves) que foi morar com o filho na casa dela para fugir do marido abusivo, auxiliar no sustento da casa e ainda lidar com uma experiência praticamente de perda do filho, que vai sair de casa. Esse fato começa a atrapalhar a rotina de todos, incluindo dos filhos menores. Irene começa a mudar o comportamento e demonstra que a saída do filho está doendo muito nela.

O primeiro é mais doloroso?

No caso do filme, quem sai de casa é o filho primogênito de Irene, mas a dor poderia ser a mesma se o filho do meio saísse primeiro, explicam os psicólogos. “Tudo vivido pela primeira vez é mais delicado, o filme retrata a saída do primogênito, porém, se fosse o filho do meio a sair primeiro, seria tão dolorido quanto”, fala Josiane. “Pode ser mais dolorosa no sentido de que marca a primeira saída e o inevitável das futuras saídas e isso pode ser desorganizador para algumas mães ou pais” completa Pacheco. Mas a saída do primeiro filho pode sim ser emblemática, como foi para Irene. “Não podemos negar que o primogênito está a mais tempo vivendo com aquela mãe, e o processo de mudança da relação dos dois pode ser mais impactante”, aponta Josiane. Porém, Pacheco lembra que a última saída pode ser ainda mais traumática. “O que costuma causar mais dificuldades é a saída do último filho, que não necessariamente será o mais novo”, finaliza.

Quero sair de casa: como auxiliar os pais nessa situação?

Como o filho pode auxiliar os pais para que essa experiência seja menos traumática? Os psicólogos apontam que o diálogo é fundamental. Quando decidir sair de casa, é importante envolver os pais em todo o processo, assim, o dia da partida vai ser menos dolorido para ambos e não tão severo como se fosse feito às pressas, explica Josiane. Ir diminuindo a sua presença aos poucos também pode ser uma maneira de diminuir esse impacto, conforme argumentou Pacheco.

Momento de se reinventar

A relação entre pais e filhos precisa ser reinventada, reconstruída. Ambos passam por uma nova fase. “Esse processo é de uma certa reconstrução. É preciso se reinventar e descobrir novas formas de se relacionar, às vezes mais distantes fisicamente, o que não significa que sejam distantes emocionalmente”, explica Pacheco, que finaliza: “A presença física não significa nada: você pode estar acompanhado e se sentir completamente sozinho”.

Para muitos, essa etapa da vida é um momento de exercer tolerância e entendimento. “Entender a nova fase e reconhecer que é natural que os filhos saiam de casa para buscar sua própria independência”, aponta Josiane. “Neste momento, é importante refletir e aceitar que a fase de pais protetores passou e perceber que outras possibilidades podem se abrir e a descoberta de novos papéis são essenciais. Portanto, encarar essa nova fase como uma oportunidade de cuidar de você e realizar novas tarefas”, finaliza a psicóloga.

Esta matéria faz parte da série que a Vigília está fazendo sobre o Setembro Amarelo.

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 Esta matéria contou com a produção de Bruna Monteiro.

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