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Bandersnatch: O Black Mirror “interativo”

“E no final, você decide!”. A frase célebre foi dita muitas e muitas vezes por Tony Ramos, Raul Cortez e Antonio Fagundes no clássico (e finado) programa da Rede Globo do início dos anos 90. Em “Você Decide”, o público escolhia (ligava por telefone, recurso pouco usado para os celulares hoje em dia) para escolher qual (de dois possíveis) final o desfecho para o episódio da semana.

É mais ou menos essa a premissa que a Netflix trouxe com o novo episódio de Black Mirror: Bandersnatch, que causou furor nos últimos dias de 2018. A diferença é que agora você pode praticamente escolher os caminhos que o personagem principal vai tomar, seja com o controle remoto, o de seu videogame, mouse ou mesmo usando o smartphone. Uma gama muito maior do que somente o desfecho, como em Você Decide, que ainda contava com a maioria de votos. Ou seja, nem sempre a sua escolha era que iria acontecer.

E nada melhor que Black Mirror – com a sua temática “Tecnologia versus Ética e Moral” – para nos colocar diretamente dentro dessa obra, até então inédita em séries (ou telefilmes, como neste caso), tão cheia de linguagens e até mesmo metalinguagens. Em Bandersnatch, muitas vezes nos sentimos mesmo como se pudéssemos definir o destino de Stefan (Fion Whitehead), um desenvolvedor de games que vive em 1984 (George Orwell manda lembranças), embora a própria produção nos pregue algumas peças durante o andamento da trama. Novamente a tão badalada década de 80 (que para alguns já começa a enjoar de tanta produção atual usando ela) é muito bem situada, tanto visualmente quanto musicalmente, mostrando o desenvolvimento do game por Stefan bem como era naquela época.

Ele é um fã e assíduo leitor de “Bandersnatch”, um livro RPG em que há diversos finais e diversas alternativas (mais uma metalinguagem). E com essa mesma premissa, ele pretende adaptar o livro para uma versão game. No caso da época, um console com pouquíssimos bits e um controle de manche com só um botão (os mais velhos vão lembrar dos CCEs, Daktar e Ataris da vida). E assim como o livro, ele tenta criar diversas alternativas e finais para o jogador. E, não por acaso, é assim que você vai assistir ao episódio. Escolhendo as alternativas pelo jogador. Um “inception” proposital e uma forma interessante de lidar com o produto série de TV e Black Mirror.

A trama é mediana se comparada com outros episódios de Black Mirror. Mesmo assim, a ideia de interação entre o espectador (você) e o filme funciona muito bem, tanto quem em determinados momentos, você acha mesmo que está participando, e o sentimento de imersão é bastante palpável. Mas, nem tudo é perfeito no mundo recriado em Bandersnatch. Há alguns furos nas opções, onde mesmo escolhendo um destino, ele: ou se encerra e volta para a opção “correta” – o que pode ser um pouco tedioso, visto que assistindo todas as opções e finais, temos cerca de 5 horas de conteúdo -, ou mesmo o personagem não faz exatamente o que a opção escolhida lhe indicava.

Bandersnatch
Colin (Wil Pouter) é um dos personagens centrais

Mas precisamos voltar à trama. Stefan tem problemas psicológicos e nós devemos decidir se ele concretiza de vez, ou não, o game baseado no livro Bandersnatch. Óbvio que se escolhermos “não”, o sistema Netflix nos encaminha para a decisão correta novamente. E em algum ponto dessas tantas escolhas, podemos parar para refletir e colocar em dúvida nossas próprias decisões na vida, como se elas realmente fossem tomadas por nós ou tudo já estaria “pré-definido”, como no episódio em questão. E isso é umas das coisas legais deste conteúdo. Poder interagir (ainda que de forma controlada e limitada) com o episódio tantas vezes, que até mesmo o protagonista pode se questionar e quase quebrar a quarta parede para falar com o espectador (em frases prontas que não funcionam tão bem). O fato da autorreferência da Netflix no episódio também pode soar uma jogada um tanto forçada.

Os diversos finais são “muito Black Mirror”, nos quais Stefan não tem um final feliz, e, com exceção de um deles, não consegue concluir o game com sucesso, ou então quando consegue, tem várias escolhas moralmente erradas (e esse foi um dos assuntos que conversamos no primeiro episódio do Torre de Vigilância de 2019: teria a Netflix feito uma forma de “ver” ou “ler” qual a forma que seus usuário respondem a certas decisões polêmicas e armazenado isso para uso futuro? Fica o questionamento).

Temos também os já esperados easter eggs de outros episódios de Black Mirror, como o game de Metalhead, e a empresa Tuckersoft – se você viu algum outro, coloque nos comentários! Diga também o que achou da experiência não original, mas inovadora da possibilidade de escolher o destino de Stefan.

(Abaixo um Spoiler da cena pós-créditos!)

Temos ainda uma cena pós-créditos da filha do personagem Colin (Wil Pouter) em que ela tenta construir uma nova versão do jogo nos dias atuais. Mesmo assim, não creio que haverá um sequência.

E você, o que achou da ideia?

Veredito da Vigilia


Éderson Nunes

@elnunes

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