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Ataque dos Cães e o poder da sugestão

Ataque dos Cães (The Power of the Dog) chegou no dia 1º de dezembro ao catálogo da Netflix. O novo filme de Jane Campion (O Piano) é uma verdadeira obra de arte, daquelas que a gente certamente adoraria assistir nos cinemas (ele ganhou salas específicas aqui no Brasil).

Protagonizado por Benedict Cumberbatch (Doutor Estranho), Kirsten Dunst, Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee (X-Men: Fênix Negra), ele é uma verdadeira homenagem ao poder da sugestão, deixando suas principais informações nas entrelinhas, dando ao espectador a conexão de lacunas que remetem às informações mais fortes de sua história. Uma situação digna de quem entende de como utilizar as ferramentas que a narrativa audiovisual possibilita. Um deleite do início ao fim, com um pano de fundo que mescla uma história de cowboy com lindos cenários e panorâmicas. Provavelmente o melhor filme lançado pela Netflix no ano.

A trama envolve também grandes atuações. Sobretudo em Benedict Cumberbatch, que, assim como o filme e a diretora, deve figurar nas principais premiações do cinema no início de 2022. Nela vemos os padrões dos filmes de cowboy. Cumberbatch é o “sempre sujo” Phil Burbank, um erudito que se refugia no rancho da família e tem na lida do campo e no trabalho braçal (que faz questão de externar para todos). Ele desde sempre parece esconder alguma coisa, e é o oposto do irmão George (Plemons) que faz a parte social e burocrática do local. Sempre alinhado e limpo, ele passa a bater de frente com o irmão após casar com a viúva Rose (Kirsten Dunst) que tem um filho quase adulto chamado Peter (Kodi Smit-McPhee).

Ataque dos Cães Jesse Plemmons e Kirsten Dunst
Ataque dos Cães: Jesse Plemons é George e Kirsten Dunst é Rose.

Com a família maior, Phil entra em conflito com todos. Ele se ressente da morte do melhor amigo, Bronco Henry (citado por ele a todo instante), e parece ser cultuado por toda sua relação com o fazendeiro. Ele inclusive tem uma espécie de altar para guardar a cela (de cavalos) onde Henry montava. Os principais conflitos miram Peter, um jovem que foge ao padrão dos homens da época. Sensível e com traços efeminados, Peter sofre preconceito por parte dos homens ditos “viris”, muitas vezes comandados por Phil. No entanto, ele tem personalidade própria e não demonstra estar incomodado com a postura de quem o rodeia. Com inteligência, ele mostra seu valor aos poucos, até que, parece começar a suprir uma lacuna importante na vida de Phil. Enquanto Phil reprime sentimentos, Peter está confortável com suas escolhas, o que nos leva ao tema principal do filme.

Ataque dos Cães Peter
Kodi Smit-McPhee é Peter, um jovem ‘diferente’, mas seguro de suas escolhas

Em todo o momento uma linha tênue de tensão é gerada nas relações de Phil, que aos olhos de quem assiste, começa a se desenhar em uma espécie de vilão da história. Essa tensão nos leva a acreditar que a qualquer momento algo grave vai acontecer, e ela pode ser um momento que culmine em uma relação carnal, seja ela para o bem, ou para o mal. Ou ainda, a morte de um personagem. Mas fique tranquilo, isso não é um spoiler, apenas um sentimento que a câmera de Jane Campion insiste em transmitir, ao passo que levanta várias questões de autoconhecimento.

Apesar da sensação de uma explosão a todo momento, o filme cozinha em fogo baixo do início ao fim, deixando nas sugestões os maiores conflitos. Desconstruindo o ícone imaginário do cowboy, Jane Campion e Benedict Cumberbatch apresentam um personagem que guarda segredos importantes. Na época e no contexto, ele realmente está perdido, sem saber como lidar com todos seus sentimentos reprimidos. E verdadeiramente não tem muito para onde correr. Enquanto a história anda, a dica é ficar atento a todos os detalhes, pois eles vão enriquecer o filme e se somar a nossa interpretação do que está acontecendo e vai acontecer. E com todos os personagens.

Jane Campion
Nos bastidores: a diretora de fotografia Ari Wegner e a diretora Jane Campion

Com uma metáfora importante ao final do filme, vemos que Jane Campion consegue entregar uma obra delicada e cheia de camadas. E todas elas amparadas no poder da sugestão, sem que nada seja explícito ou expositivo ao público, mas, ao mesmo tempo, tudo é dito da melhor forma, arrancando aquela sensação estranha de que nada deu muito certo. Mesmo que as coisas saiam mal, a sensação simultânea é de conforto de se ter assistido a um belíssimo espetáculo.

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