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A Jaula reforça que o bolsonarismo está terminando com o Brasil

O que você faria se fosse furtado ou assaltado mais de vinte vezes? Iria reforçar a segurança? Tomar mais cuidado? Ou iria se vingar do próximo ladrão que aparecesse e deixá-lo trancado por horas e horas sem comida e água para liberar toda a sua raiva do mundo? Essa é a premissa de A Jaula, longa nacional que estreia no dia 17 de fevereiro e tem Chay Suede e Alexandre Nero nos papéis principais.

O que poderia ser mais um roubo a um carro de luxo se torna muito mais que um crime. Djalma (Chay Suede), vê um carro na rua e entra para roubar o rádio. O arrombamento é fácil, mas, quando ele tenta sair, percebe que está trancado. Aí começa seu pesadelo. Um cárcere privado promovido pelo médico Henrique (Alexandre Nero), um ginecologista indignado por ser roubado mais de vinte vezes.

Empregando métodos de tortura, Henrique faz com que Djalma sofra. Afinal, ele alega estar cansado de ser roubado, de “comprar coisas para os vagabundos tomarem”. E, para isso, ele coloca o “bandido” em uma condição sub-humana. O médico decide fazer justiça com as suas próprias mãos sem entender que o maior culpado de tudo o que acontece na sociedade é o governo que ele, muito provavelmente, ajudou a eleger.

Remake do filme argentino 4×4, A Jaula foi atualizado para uma versão brasileira que, infelizmente, faz jus a nossa sociedade atual. Em um país onde o presidente apoia ditadores, empobrece ainda mais a população a cada dia e despreza a vida humana, A Jaula devia chocar e não retratar a realidade. O choro de raiva veio em meus olhos diversas vezes, por entender que o Brasil de hoje é representado por aquelas pessoas.

Henrique (Alexandre Nero) é um representante do cidadão de bem em A Jaula
Henrique (Alexandre Nero) é um representante do cidadão de bem

Henrique é um representante do “Bandido bom é bandido morto”. E, quando você lê essa frase, com certeza já cria mentalmente o grupo de pessoas que seria a favor desta afirmação. O ‘cidadão de bem’, defensor da falácia da “família tradicional brasileira”. Na vida real, assim como no filme, essa pessoa acreditaria que torturar alguém em troca de um kit multimídia do carro seria uma punição justa. O bolsonarismo está todo ali. Em uma demonstração clara de que coisas valem mais que pessoas e de que, para um grupo neste país, seus únicos interesses e sua vida valem mais que a vida de outros. Empatia, amor ao próximo e compreensão do que acontece fora da bolha passam longe de gente como Henrique.

Atuações excelentes e thriller psicológico que funciona

Chay Suede consegue se superar. Ele, que já vinha bem como Danilo/Domênico, em Amor de Mãe, mostra para o público que cresceu e é muito mais que um rostinho bonito. Djalma é um paulistano jovem que vê no crime a oportunidade de levar comida para a mesa e de dar uma vida um pouco melhor para seu filho. A falta de perspectiva e a necessidade fazem com que ele cometa ande fora da lei. Por outro lado, também temos uma grande atuação. Alexandre Nero é um ator excelente e consegue demonstrar isso mais uma vez. Médico, rico, preocupado apenas com ele. Se acha um gênio, mas não consegue tirar a atenção do seu próprio umbigo. A ótima Mariana Lima também aparece, para fazer o papel de uma mediadora. Um filme com grandes atuações de um elenco que faz sucesso na televisão brasileira.

A dinâmica de filmar Chay dentro do carro, preso, funciona muito bem. O thriller psicológico vai crescendo e deixando o espectador cada vez mais envolvido com a trama e, principalmente, com Djalma. A vontade que temos é de gritar dentro do cinema. Pedir para sair dali. Tirar Djalma de lá com as nossas próprias mãos.

Mas o maior mérito de A Jaula é fazer refletir. É colocar luz para essa questão de mocinho e bandido. O que é ser bandido no Brasil? Quem está mais errado? O ladrão de rádio ou o médico que, mesmo jurando salvar vidas, decide torturar um homem por causa de uma central multimídia de quinhentos reais? Violência se paga com violência? Bandido bom é bandido morto? Em ano de eleição, esse filme deveria, após sair dos cinemas, rodar as televisões de todo país. Precisamos fazer com que as pessoas entendam que é a negligência do governo que promove a violência e que, apesar de toda indignação, é nas urnas que devemos fazer nosso maior protesto. 

A Jaula é um ótimo filme. Atual, adaptado para a realidade brasileira e chocante. Um thriller psicológico para ninguém colocar defeito, mas que não deve agradar o país todo, afinal, vai colocar o dedo dentro de muitas feridas. Assista, se indigne e saia do cinema querendo mudar a realidade do Brasil.

Veredito da Vigilia

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