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Yonlu: poesia e tragédia que precisamos discutir

Durante o 46º Festival de Cinema de Gramado pude conferir Yonlu, obra que retrata uma história real e marcante. Uma história que impactou muita gente e que traz um tabu gigante da nossa sociedade, que é discutir o suicídio. Mas não é só isso. O filme é também uma ode a um artista prodígio que aparece poucas vezes no mundo. Um raro alinhamento de criatividade musical, artes plásticas e um mundo tão particular que encanta de formas tão diferentes, ao mesmo tempo que angustia. Fica desde já o convite para conhecer a obra desse garoto que carregou o peso do mundo consigo. Yonlu estreia dia 30 de agosto em 200 cinemas espalhados em todo o Brasil.

É impossível não falar sobre Yonlu sem que eu insira um envolvimento muito particular. Não com ele, mas com seu legado e a forma como entrei em contato com esse universo. Eu confesso que tinha medo de como esse filme pudesse ser feito. Felizmente o diretor Hique Montanari conseguiu transmitir com maestria todo o universo de Yonlu. Da mesma forma, o ator Thalles Cabral, foi a escolha mais correta para o personagem. Ele inclusive fez questão de pedir ao diretor o papel, tão logo soube que o filme seria rodado. Mas esqueça a lógica padrão dos filmes comerciais. Yonlu (o filme) é uma obra tão autoral quanto o trabalho de Yonlu (o músico e artista), e funciona perfeitamente para quem já tinha um conhecimento prévio de tudo que ocorreu no período curto de sua vida, principalmente nos seus últimos meses.

Yonlu é poético e artístico. Com metáforas grandiosas entre o caminho da vida e da morte, além de toda a recriação do mundo virtual que envolvia o garoto. Seu suicídio foi assistido na internet e incentivado por desconhecidos do mundo todo, e a representação desses fóruns obscuros na internet no filme ajudam e muito o andar da narrativa, desviando de padrões como artes gráficas que vemos em outras produções. Aqui ela traz um interessante impacto visual e dramático (e novamente poético). “Yonlu precisava de um abraço, mas o que recebeu, foi um empurrão”. Esta citação direta do filme é também uma reflexão para os dias atuais.

Thalles Cabral basicamente leva o filme inteiro, amparado no ótimo trabalho de artes, animações, montagem de som e mescla de todo o legado do rapaz. Infelizmente, a falta de orçamento poderá ser sentida em algum momento, o que indica também muito do trabalho que é rodar um longa metragem no Brasil sem os devidos incentivos, sejam privados ou públicos. Fazer cinema no Brasil é realmente para apaixonados.

Para você que chegou a pouco tempo nessa história, Yonlu tinha angústias importantes, que são retratadas de forma simples e singelas. Ele vive em seu mundo, e em seu quarto é onde ele consegue se amparar com a ajuda de um violão, seu computador, e seu pequeno estúdio, onde compôs tudo que sentia. Sua obra, de forma póstuma, rendeu dois CDs, sendo que um deles (Luaka Bop) foi lançado pelo selo de David Byrne, fundador do Talking Heads. Em seu talento musical, até mesmo uma impressora virou instrumento. Seu mundo e solidão são retratados com impacto direto. Mesmo em uma sala cheia de colegas de classe, só vemos o garoto, e, em alguns momentos, sua referência de amor (uma colega de classe que também virou música), que o trazia para uma realidade de uma forma mais sociável.

Thalles Cabral interpreta o prodígio e único Yonlu

Outro ponto importante da narrativa é a participação de um terapeuta (interpretado por Nélson Diniz). Ele conduz a trama de forma mais didática aos que possam estranhar ou estar em contato com esse mundo pela primeira vez. E logo de cara nos traz a informação tabu. É importante informar também que todo roteiro e todos os passos dados em Yonlu foram em comum acordo com a família e com profissionais da saúde mental, conforme o próprio Hique Montanari fez questão de salientar.

Yonlu é um filme importante e bem feito, e que precisa ser assistido e discutido. O envolvimento de elenco, produção e direção mostra que ele é realmente uma conquista e um momento único dentro da cinematografia brasileira. Mostra que sofrer e sentir dor não é uma vergonha. E mostra ainda que a discussão do tema é necessária.

Assista nos cinemas. A Vigília Recomenda.

Veredito da Vigilia

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