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Mormaço: resistência, horror e transformação | Crítica

Resistência e transformação. Essas são algumas das mensagens que passam o filme Mormaço, longa nacional que foi exibido no terceiro dia do 46º Festival de Cinema de Gramado. Dirigido por Marina Meliande, o filme mostra que as mensagens dele também servem para o cinema independente brasileiro nos dias atuais, onde ‘fazer cinema’ é também um ato de resistência e enfrentamento. Com roteiro de Felipe Bragança, o elenco conta com Marina Provenzzano (que também está em O Grande Circo Místico, e provavelmente deve começar a ganhar mais espaço em produções do grande público) Sandra Maria, Pedro Gracindo e Diego de Abreu. A estreia está prevista para o primeiro semestre de 2019 no circuito nacional.

Mormaço foge ao filme que se imagina quando se pensa em cinema nacional. Ele mistura naturalismo, uma pegada documental e até mesmo uma fábula sobrenatural. Pode parecer estranho para quem lê, mas é um casamento incrível dessas possibilidades. A protagonista Ana (Marina Provenzzano) é uma defensora pública que atende a comunidade da Vila Autódromo no Rio de Janeiro. A Vila está sendo desmontada pela especulação imobiliária vinda com os eventos das Olimpíadas de 2016. Pode parecer ficção, mas aqui entram aspectos políticos e reais. A comunidade estava realmente sendo ameaçada de sair de sua área. Onde viviam 700 famílias, hoje existe uma grande área vazia, com a resistência de pouco mais de 20 núcleos. Por lá, os moradores sofriam com as constantes ameaças do poder público – corte de luz, patrolas que destroem casas, policiais que expulsam famílias.

A atriz e moradora da Vila Autódromo, Sandra Maria, e a diretora do filme, Marina Meliande.

Nesse contexto Ana se envolve por completo. Ela é auxiliada pela moradora Domingas (Sandra Maria). Importante: Sandra Maria é realmente uma moradora do local e viveu na pele tudo aquilo. Ao mesmo tempo, Ana também tem (em uma zona mais rica da cidade) a necessidade de se mudar, pois o prédio onde vive será, da mesma forma, demolido. E lá, outros moradores também resistem em meio inúmeras dificuldades, embora a realidade deles seja bem outra.

E os acontecimentos vão sendo colocados pontualmente. As transformações não são só nos prédios e na cidade, mas nos comportamentos, aflorando até mesmo uma doença jamais vista em Ana, que começa externar sua luta em manchas na pele. Tudo vai sufocando a personagem (e certamente o público também). E todas as situações limites que estão por vir, em nenhum momento aparentam ter uma solução boa para todos que estão na história. É onde aparece a metáfora poética de diretora e roteirista. Felipe Bragança justificou as escolhas com uma certeira informação, que transcende de significados tudo que acontece no filme, principalmente para quem é brasileiro. “Os índios dizem que quando o homem branco os expulsa de seus territórios, eles continuam lá, mesmo depois de mortos, se transformam em pedras, em árvores, e um dia eles vão sair desse compasso de espera e retomar tudo que lhes pertence”. E é mais ou menos o que acontece no filme, em elemento que flerta com o horror, com uma fábula, e até mesmo com a ficção científica.

Marina Provenzzano, a protagonista do filme. Anote esse nome.

O final é aberto, e livre para interpretações, o que deixa a obra ainda mais instigante e interessante. Gera o debate. E não pode se deixar de falar na dedicação primorosa em relação a produção e maquiagem na transformação de Ana, no momento clímax do filme.

Mormaço é sufoco, mas uma lição de resistência. E em um emaranhado organizado de gêneros, conta uma história (quase) real. E a Vigília Recomenda.

Veredito da Vigilia

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