The Post: A Guerra Secreta é Spielberg da melhor forma | Crítica
Um dos roteiros de cinema mais disputados das últimas décadas era nada menos do que uma história real. Uma história real que envolve a mentira de quatro gerações de presidentes norte-americanos, atentados à liberdade de imprensa, a vida de um grande veículo de comunicação (ou dois), e acima de tudo, a vida de muitos soldados enviados a uma guerra sem sentido. Por tudo isso, The Post: A Guerra Secreta, que estreia no Brasil no dia 25 de janeiro, já deve figurar entre os melhores no Oscar 2018. Mas, felizmente o novo filme de Steven Spielberg consegue ser muito mais do que isso. É uma trama de intrigas bem amarrada, excelentes atuações e uma história muito bem contada e dirigida. É o filme que muita gente gostaria de ter feito. E claro, some a tudo isso o protagonismo muito bem dividido de Tom Hanks e Meryl Streep. Ponto: todos os ingredientes possíveis de um sucesso instantâneo já estão reunidos.
Com o recado claro de que a imprensa deve servir os governados, e não os governantes, The Post nos remete ao vazamento de um relatório secreto de 7 mil páginas com segredos que iam diretamente contra a Casa Branca. O documento preparado pelo então secretário de Defesa, Robert McNamara (aqui interpretado por Bruce Greenwood) levava o título de “História do processo de tomada de decisões dos Estados Unidos no Vietnã, 1945-66”, o que gerou o fenômeno do Pentagon Papers. Acima de tudo, o documento mostrava que os presidentes Truman, Eisenhower, Kennedy e Lyndon Johnson escondiam a verdade da guerra e operações no Vietnã. Enquanto diziam que buscavam a “paz”, nos bastidores as forças armadas e a CIA expandiam a guerra. Nesse terrível capítulo da história houve assassinatos, violações, eleições fraudadas e mentiras. Tudo isso impactando diretamente em famílias e norte-americanos que por muitos anos seguiam sendo enviados para a linha de fogo.
E tudo isso caiu nas mãos de um repórter do The New York Times Neil Sheehan (Justin Swain). Em uma trama paralela, vemos a situação errante do concorrente The Washington Post, que lutava com o seu editor Ben Bradlee (Hanks) para tentar ter a mesma visibilidade do jornal concorrente, e a primeira mulher editora chefe do Washington Post, Katherine Graham (Meryl Streep), que lutava contra um passado vigoroso da sua empresa, antes liderada habilmente por seu falecido marido, e antes dele seu pai. E é em meio a corrida pelas manchetes que vemos a trama avançar em todas suas nuances.
Estamos em 1971 e é interessante ver como a época conta também a história da comunicação e do Jornalismo. Telefones, orelhões, tipografias e máquinas de escrever dão o tom dos trabalhos, que mesclam ainda as relações entre os empresários donos de jornais com políticos mundialmente reconhecidos. E aqui abre-se aspas para um dos momentos que vemos atualmente também na série The Crown, com as consequências diretas do assassinato do presidente Kennedy. É um detalhe, mas com uma releitura de um mesmo momento que salta aos olhos.
Mesmo perdendo a corrida das manchetes para o The New York Times, vemos que a titubeante personagem de Meryl Streep (Katherine Graham) mostra vigor ao encarar toda a corrente que faria qualquer um desistir. Aliás, nem precisa falar da interpretação dela, não é mesmo? É sempre covardia. E com a sua decisão, amparada pelo seu editor (Hanks, no clássico estereótipo de um chefe de redação, outra covardia) ela faz com que o seu Washington Post tome protagonismo frente a um movimento que em seguida uniu a imprensa norte-americana contra a sujeira do Estado.
The Post não é um drama com movimentos frenéticos, mas tem um ritmo que leva a assinatura de Spielberg, que sempre dá um jeitinho de trazer alguma risada em meio a um diálogo mais ácido. O romance fica por conta apenas da relação dos personagens com o próprio compromisso jornalístico de poder informar e as idas e vindas das principais definições são os momentos que nos fazem vibrar. Acima de tudo, o poder da decisão mudou o rumo da história e tem impacto até hoje na política norte-americana. Destaque ainda para as participações de Bob Odenkirk (o nosso saudoso Saul, de Breaking Bad e Better Call Saul), Alison Brie (da série Glow) e Sarah Paulson. Tudo isso regado a trilha sonora clássica de John Williams e recortes históricos como na “aparição” (mesmo que de costas) do presidente Nixon, que toma a atitude (ir)racional do político quando incomodado com a atuação da imprensa: tenta barrar ou cortar vínculos.
No final de tudo, temos uma decisão histórica da Justiça americana, mas acima de tudo, a vitória de poder reportar, repassar as informações e manter a isonomia da imprensa, com seu papel trivial na formação da sociedade. Pode não funcionar assim em muitos exemplos da atualidade, mas estamos aqui, falando de um período romântico na história da comunicação, e o que os gringos gostam de citar, a Primeira Emenda da Constituição:
“É vedado ao Congresso criar legislação que favoreça estabelecimento de religião ou proíba seu livre exercício, ou restringir a liberdade de expressão ou de imprensa, ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente e de requerer do Governo reparação de prejuízos.”
Alguma dúvida que já é um clássico?