“Pieces of a Woman” e o isolamento da protagonista

Uma das primeiras estreias de 2021 na Netflix foi Pieces of a Woman. Assim mesmo, sem adaptação de nome para o português, o filme assinado pelo diretor húngaro Kornél Mundruczó traz Vanessa Kirby (The Crown, Missão: Impossível Efeito Fallout) em uma jornada que infelizmente muitas mulheres podem se identificar. Uma caminhada de solidão em um dos momentos em que ela deveria ser a protagonista de um dos acontecimentos mais bonitos de sua trajetória. Não é um filme para quem possa estar em um momento sensível de sua vida.

Neste drama, Vanessa interpreta Martha. Casada com Sean (Shia LaBeauf) – uma escolha polêmica por todo o contexto do ator e da própria trama – eles vivem a expectativa do nascimento da primeira filha, mas logo veremos que o sonho da família vai escapar aos seus dedos. E somos jogados a um dos primeiros dilemas do filme: a escolha da família na forma de que a criança vai nascer. É um tema polêmico, por mais que um nascimento seja um momento da natureza humana. O casal opta por um parto natural em casa. A parteira escolhida acaba ficando presa em outra urgência e manda uma substituta. As primeiras cenas do filme são fortes, incômodas pela tensão criada pelos atores e pela direção, que parece nos dar alguns recados, mesmo que a nossa torcida natural seja para que dê tudo certo. Não dá.

Com o passar dos meses, Sean, um ex-viciado, passa a viver um luto desesperado. Já Martha parece carregar ainda mais o peso dessa escolha. Um luto aliado ao puerpério. Afinal, se tivessem optado por um parto em um hospital, sua filha ainda estaria entre eles? Não temos como saber, e aqui, talvez não seja um dos principais embates, mas sim o isolamento da mãe. Do momento em que foi contundente em suas escolhas e da forma como queria receber sua filha. E claro, a sociedade que a cerca, com destaque para a mãe Elizabeth (vivida de forma brilhante por Ellen Burstyn), lhe fazendo ainda mais pressão em um momento em que ela deveria ser amparada e não simplesmente julgada. O ponto crucial do filme é este, afinal, tente prestar atenção em algum casal que espera um filho, ou mesmo que tenha um filho recém-nascido. A todo momento virá alguém com algum grande ensinamento ou grande conselho sobre como proceder em qualquer momento. Esses tipos de “toques” parecem sistêmicos na sociedade, fazendo com que as pessoas esqueçam que o casal, ou principalmente a mãe, é quem sabe o que será melhor para ela e para o filho.

E Vanessa Kirby carrega esse peso todo no filme, com as coisas piorando no seu dia-a-dia. Vemos a casa se transformando em um local quase inabitável, e o então parceiro se perdendo nos piores refúgios. O lar que parecia florescer para uma nova etapa, agora está pálido, sem cor… quase sem vida. Tudo pode piorar quando a família de Martha decide (por ela) que processar a parteira (vivida por Molly Parker) é a melhor forma de fazer “justiça” para a filha que se foi. Aquela típica reparação que não mudaria nada. Pieces of a Woman mostra que as decisões da vida, nem sempre estão em nossas mãos.

Aprender com a dor é o que Pieces of a Woman nos conta. Aprender que essas dores são profundamente pessoais e intransferíveis também. E que no momento em que as mães, as protagonistas e geradoras de vida, acabam sendo isoladas, as marcas podem ser ainda mais doloridas. Apesar desse tom depressivo, o final de tudo nos traz um respiro. Um clichê para aliviar as duas horas em que dividimos a angústia com Martha. Uma bela forma de começar o ano com um original Netflix.