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Oeste Outra Vez: um faroeste que debate a masculinidade

Erico Rassi consegue esquentar a quarta noite de exibição, a mais gelada em Gramado, até então, com seu filme de faroeste. Oeste Outra Vez é um longa ousado, que toca em assuntos delicados de forma bruta.

O filme está resolvido na primeira cena, basicamente. Dois homens, com toda a sua brutalidade, em meio ao cenário árido, brigam por uma mulher que levanta e vai embora. Deixa para trás toda aquela situação patética e segue sua vida. Para onde? Não sabemos. Essa é a única participação feminina na trama. De resto, Erico Rassi deixa subentendido em seu roteiro que as mulheres são onipresentes e não precisam estarem ali para comandarem, de certa forma, a vida e as decisões dos homens.

Seu Totó, do experiente Ângelo Antônio, não se conforma de ser trocado e quer Luiza (Tuanny Araújo) de volta, por bem ou por mal. É então que ele contrata o carroceiro Jerominho, vivido por Rodger Rogério para executar Durval (Babu Santana). Uma execução malsucedida dá início a uma caçada no melhor estilo dos filmes de faroeste. Conhecido internacionalmente como “Brazilian Western”, esse gênero pouco explorado deu novas cores ao 52º Festival de Cinema de Gramado.

O interior de Goiás, no coração do Brasil, oferece um cenário marrom. Quase vermelho. Em que o barro, a poeira e o sangue se misturam com casas de tijolo à vista e pau a pique. A decadência, do lado de fora, expressa exatamente como está a vida de cada um desses personagens citados.

Abandonados por suas esposas, vivendo em casas que acumulam lixos e objetos quebrados, todos os homens retratados em Oeste Outra Vez tem profundas questões não resolvidas. São homens que usam a cachaça como combustível para sair da dura realidade que eles mesmo criam para si.

Divertido, mas profundo

Com diálogos rápidos e profundos, Rassi consegue colocar pitadas de humor naquele ambiente que tem tudo para ser desastroso. Por fora, precário, cru e bruto, por dentro, muitas nuances para serem trabalhadas. Tanto o longa, quanto os personagens retratados podem ser definidos dessa forma. Quando Totó e Jerominho estão em fuga, o experiente carroceiro questiona “não dá pra arranjar uma mulher menos complicada?”, a plateia gargalhou. As interações dos matadores de aluguel Antônio (Daniel Porpino) e Domingos (Adanilo), também eram divertidas, mas sempre com um viés contemplativo.

Durval (Babu Santana) e Totó (Ângelo Antônio) travam uma grande batalha em Oeste Outra Vez

Uma cena dos dois, em específico, chama muito atenção e pode servir de debate sobre a masculinidade e o patriarcado: homens conseguem conversar com outros homens sobre suas questões profundas? Amores, incertezas, inseguranças. Isso consegue ser pauta para quem nasce, cresce e vive em uma sociedade em que se exige força e, nesse caso, até mesmo brutalidade?

Todas as cenas parecem milimetricamente medidas e construídas pelo diretor e roteirista que também trabalha na montagem. Um filme com um quê de artesanal, costurando tantos enredos e vidas em uma história que vai se desenrolando em seu ritmo.

Oeste Outra Vez conta com acertos técnicos

As atuações são outro ponto marcante. Todos defendem muito bem os seus papéis. Contudo, o destaque, como sempre, vai para Antônio Pitanga. Em um papel pequeno, ele consegue cativar, mais uma vez, assim como em Tia Virgínia. O pouco que falou foi o suficiente para se tornar uma pauta para levar para terapia.

Contudo, precisamos falar de outros dois aspectos técnicos: a direção de arte e a trilha sonora. Se o roteiro é cheio de acertos, esses dois itens também são. Músicas de Nelson Ned embalam as cenas em que tudo que precisa ser dito está ali, em uma canção. A direção de arte, desde às panelas quase furadas até o lixo empilhado, desenharam o ambiente ideal para podermos adentrar na história.

Se em Clube das Mulheres de Negócios debatemos o patriarcado de forma escrachada, aqui temos uma discussão muito delicada. Por trás de uma carcaça bruta, a delicadeza e as nuances do ser se fazem presentes em um filme que tem ação, fuga e faroeste na medida.

Oeste Outra Vez está no páreo e deve consagrar o quase iniciante Erico Rassi na cerimônia de premiação.

Veredito da Vigilia

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