O Pior Vizinho do Mundo: luto, velhice e reflexão
Uma segunda-feira qualquer me levou para assistir O Pior Vizinho do Mundo. Acordei sem muitas expectativas. Cheguei ao cinema, me deparei com o cartaz de Tom Hanks e, mesmo assim, seguia sem fazer ideia do que me esperava nos próximos minutos. E eles se seguiram numa enxurrada de lágrimas. Chorei de soluçar. Um choro doído. De alegria. De saudade. De reflexão. Um choro que me levava à minha infância e me projetava para a velhice. Tom Hanks me levou as lágrimas num ensolarado dia de janeiro em Porto Alegre.
Sempre digo que a crítica de cinema é feita por três pilares: a técnica, o contexto histórico e a vida de quem está escrevendo. Todos nós viemos de mundos diferentes e temos diferentes emoções quando assistimos determinados filmes. Por isso, talvez você não consiga sentir toda essa emoção que estou falando (e sentindo novamente). Mas peço licença e confiança para contar os meus sentimentos sobre O Pior Vizinho do Mundo.
Tom Hanks é Otto Anderson. Um vizinho rabugento que passa sua vida repetindo sua rotina. Baseado no livro Um Homem Chamado Ove, de Fredrik Backman – que já ganhou a sua versão alemã nos cinemas, em 2015, o filme desenvolve uma história muito delicada sobre luto e nos deixa com muitos questionamentos.
A vida de Otto é pacata, rotineira e o mais previsível possível. Ele faz, há anos, as mesmas coisas todos os dias. Os vizinhos já sabem. Todos os vizinhos, exceto a nova vizinha Marisol (Mariana Treviño), que já chega tirando Otto da sua zona de conforto.
A partir daí, o longa de Marc Foster (O Caçador de Pipas) começa a transitar pelo passado e o presente. Cada ação de Otto tem uma explicação. Cada chateação, também. O filme consegue equilibrar o drama e a comédia, a vida e o luto, de forma inteligente e interessante.
O Pior Vizinho do Mundo faz mais sentido em seu título em inglês, que, em tradução literal, seria Um Homem Chamado Otto. Porque Otto não é uma pessoa ruim. Ele faz o que acredita ser o certo dentro do seu processo de luto. Dentro da sua trajetória, conforme as suas convicções.
O luto não é um tema que costumamos debater. Preferimos um silêncio doloroso. Mas o que não é a velhice senão um grande luto? De perder quem nos acompanha por toda uma vida? Ver a cidade mudar, os amigos morrerem, o mundo que conhecemos se modificar? Seria a velhice uma grande espera por uma morte iminente? E o que fizemos na juventude que podemos nos orgulhar quanto tivermos 70 anos? Quem apoiamos? Quem nos apoiou? O que mudamos no mundo? Qual foi a nossa contribuição para a sociedade?
Fiquei com todos esses questionamentos quando sai da sala de cinema. Pensei muito nos meus avós que já se foram. Queria poder perguntar algumas dessas coisas para eles, mas sei que não tenho mais tempo. Porque a vida não é da forma que queremos que ela seja. Ela simplesmente é. E isso é assustador e maravilhoso.
O Pior Vizinho do Mundo me encantou por muitos motivos. E não só seu modo de refletir o mundo, mas com a sua parte técnica. Tom Hanks está excelente no papel. Ele consegue fazer um Otto no tom certo, sem ser rabugento demais, nem caricato demais. A química dele com Mariana Treviño funciona muito bem. É um filme muito satisfatório, que saímos felizes do cinema.
A Vigília recomenda!