O Mecanismo 2: subiu no muro e assumiu meaculpa | Crítica
Selton Mello, José Padilha e companhia voltaram para mais um ano de O Mecanismo, série brasileira original Netflix que conta a história da operação Lava-Jato. Inspirada no livro “Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os bastidores da Operação que Abalou o Brasil”, de Vladmir Netto, temos capítulos ficcionais, baseados em fatos reais, mas nem tanto. Aquela velha muleta da liberdade artística.
A primeira temporada ficou marcada por Selton Mello falando o bordão “Vem comigo e vamos desfazer essa merda”. Agora, ele sussurra poesia de Augusto dos Anjos durantes as narrações dos episódios. Nada contra o recurso, mas ele se torna irritante ao longo dos episódios, pois é usado em demasia. Inclusive, os momentos em que não temos Ruffo (Selton Mello) falando em nossos ouvidos são preciosos.
O universo e as temáticas, que foram muito bem acertados em Tropa de Elite (eram novidade), aqui acabam se repetindo até a exaustão por Padilha em O Mecanismo. Isso fica muito evidente. A narração, a estética escura e noir e o jogo de câmeras dão a impressão de que “já vimos isso antes”. É bem resolvido até um ponto, mas cansa. As cenas de prisão com música clássica, que já foram usadas na temporada anterior e em séries como Demolidor, também acabam sendo mais do mesmo. Quase um copia e cola.
De uma temporada para a outra, muitas mudanças aconteceram. Mas uma delas é gritante: o posicionamento da série. José Padilha comprou o discurso da esquerda brasileira e resolveu chamar de golpe o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A mudança parece uma grande meaculpa do produtor. Afinal, depois de ter feito uma primeira temporada de propaganda política maquiada para a direita, o roteiro pareceu arrependido. Ficou marcante e bem destacado que agora “culpa” não era mais do PO e sim do PMDB. Os nomes dos partidos, que estavam trocados (o PT era chamado de PO) na primeira temporada, ganharam sua nomenclatura original no segundo ano da série. Agora vemos PT, PSDB e PMDB sem qualquer preocupação.
A segunda temporada de O Mecanismo também traz muitos erros de continuidade. Foram tantos e tão grandes que não vamos enumerar aqui. A Polícia Federal, denominada “Polícia Federativa”, por vezes era conhecida com seu nome original, por vezes com seu nome fictício, deixando tudo mais confuso.
Ficou mais fácil também descobrir quem é quem na série. Thames (Tonio Carvalho) foi chamado de “Vampirão”, como os memes e a internet costumam chamar o ex-presidente e vice Michel Temer. Ruffo, inclusive, diz que ele “só tem cara e jeito de babaca, mas de burro não tem nada”. Lúcio Lemes (Michel Bercovitch), que representa Aécio Neves, aparece como aliado de Thames e em uma cena específica até cheira cocaína em um banheiro.
A abertura da série mudou também. Agora, a música “Pega Ladrão”, que diz “Se gritar ‘pega ladrão’, não sobra um”, toca ao fundo com imagens reais dos políticos e seus olhos tapados. Os únicos olhos que aparecem são de Michel Temer. Sugestivo, não?
Mas não pense que essa temporada foi sobre políticos. O enredo girou majoritariamente sobre “o clube dos 13”, principalmente na caçada de Ruffo atrás de Ibraim (Enrique Diaz). Em uma perseguição totalmente sem sentido e fora de qualquer tipo de realidade, o ex-delegado vai até o Paraguai atrás do empresário que ele quer prender e, de todas as possibilidades, ele acha Ibraim sem qualquer tipo de dificuldade. Algo totalmente sem sentido para uma série que gostaria de ser baseada em fatos reais.
Voltando à Curitiba, a Polícia Federal ou Federativa, como preferir, estava totalmente engessada pela Procuradoria e por aquele que foi o herói na primeira temporada: o juiz Paulo Riggo (Otto Jr.) ou, na vida real, Sérgio Moro. Com cenas em que ele desmancha o altar criado pela própria série, ele promete à filha que não irá entrar na política e não parece mais tão perfeitinho como foi retratado no primeiro ano.
Desta vez, Verena (Carol Abras) está mais emponderada, parou de correr atrás de um cara que só queria fazer ela de boba e investiu em um relacionamento com seu subalterno Vander (Jonathan Haagensen). Jonathan chamou atenção nesse segundo ano. O personagem dele amadureceu muito nessa temporada e se destacou entre os outros. É dele uma das cenas mais importantes e emocionantes dessa temporada.
Verena e Vander descobrem que Higino (Arthur Kohl), o personagem que representa o ex-presidente Lula vai ser conduzido coercitivamente para depor. É quando o policial se abre e conta que na casa da mãe dele tem mais fotos do “Gino” que deles. Afinal, foi com o governo de Gino que ele conseguiu se tornar o primeiro membro da família a ter um curso superior.
Contudo, como a vida prega peças (ou o elenco é enxuto), é de Vander a responsabilidade de levar Gino para depor. A cena, bem construída entre os dois, mostra o policial titubear e ter que fazer seu trabalho, apesar de claramente ver que não era isso que ele queria fazer.
A segunda temporada de O Mecanismo terminou com a votação do impeachment de Janete (Sura Berditchevsky), personagem de Dilma Rousseff, e com uma figura muito parecida com o ex-deputado Jair Bolsonaro fazendo o mesmo discurso deplorável que o atual presidente fez na tribuna. Será que teremos o início de uma terceira temporada aí?
Se ninguém processar José Padilha e a Netflix por, novamente, colocar frases de um político na boca dos outros, talvez o produtor se anime a continuar essa série. Uma parte de nós quer saber onde ela vai dar. Afinal, trocou o partido que está governando o país, mas segundo Ruffo, troca o partido e o mecanismo continua. Ao mesmo tempo, a série precisa melhorar muito para continuar de pé. Selton Mello, o narrador de tudo, já se despediu da produção em seu Instagram. Teremos um novo ano com Verena na cabeça da investigação? Ou a série vai tomar o mesmo rumo da investigação e vai ficar por isso mesmo?