O Estrangulador de Boston desenha como o machismo estrutural é um problema
Chegou sem grandes estardalhaços no Star+ um filme que ataca em duas (ou mais) frentes que eu particularmente gosto muito. O Estrangulador de Boston traz uma mescla de thriller policial baseado em fatos reais, com jornalismo e claro, a termo de ouro da atualidade, o “true crime”. Mais do que isso, remonta uma sociedade machista (ou que já foi muito mais machista) entre os anos de 1962 e 64 e mostra o quanto o patriarcado afetou diretamente a segurança das (quem, jura?) as mulheres. Se você chegou até aqui e já se irritou com alguns dos termos usados, note: seu ranço pode ter explicação nesses mesmos termos.
Objetivamente, a minha ordem particular de preferência entre os temas inseridos em O Estrangulador de Boston são jornalismo, thriller e true crime. Portanto, certamente vou inserir o longa na lista de Melhores Filmes de Jornalismo. É impossível (no meu caso) não perceber a importância da profissão, o quanto ela evoluiu, e até mesmo refletir sobre o seu futuro. Quem estudou ou se interessou pela área, tem um prato cheio por aqui. Mas, a verdade é que o jornalismo segue como grande guia da história. Um fio condutor para construir o conflito entre homens e mulheres. O machismo estrutural rouba a cena logo cedo, quando, mesmo em uma redação que já aceitava mulheres, era um tanto quanto segregador com suas profissionais.
E o Estrangulador de Boston é exatamente isso. Um filme onde os conflitos sociais e estruturais se sobressaem até mesmo a um serial killer que matou mais de dez mulheres solteiras, entre 19 e 85 anos, e sempre deixando uma marca muito própria nas cenas dos crimes. Não entre esperando cenas fortes quase beirando o terror. O longa escrito e dirigido por Matt Ruskin traz a tensão na base da sugestão, nunca escancarando as agressões, mas mostrando suas sequelas físicas e psicológicas não só em familiares, mas em toda uma sociedade que passa a entender que existe um assassino potencial que dribla, ou que facilmente foge da Polícia, a solta.
Keira Knightley é Loretta McLaughlin. Inquieta, ela trabalha como jornalista na área de Estilo de Vida, uma editoria claramente focada em “assuntos de mulher” para a época. Ela faz reviews de eletrodomésticos e fala de amenidades. Mas seu desejo é contar histórias que realmente importem. Ela vê na colega Jean Cole (Carrie Coon, de Ghostbusters: Mais Além) a oportunidade. Jean tem algumas regalias na redação e está trabalhando como repórter investigativa em casos de maus-tratos em um asilo. É o estopim para que ela procure seu editor-chefe, vivido por Chris Cooper. Inspirada por uma série de crimes, ela consegue, com algum custo, o sinal verde para começar a contar sua primeira matéria na editoria de polícia. E ela nem imagina o rumo que tudo vai tomar.
Desde os primeiros instantes vemos que Loretta terá muitos obstáculos. Ela terá sua honra discutida, será enganada por algumas fontes e não terá respaldo para muitas coisas. Tudo em função do mundo tomado pelos homens, que, sempre se protegendo, acabam sufocando (mas não como o estrangulador) a capacidade delas em se dedicar à profissão. Para eles, elas deveriam, veja só, estar cuidando da casa. Nada mais padrão.
É quando a investigação se afunila que se chega a alguns reflexos do machismo estrutural. A polícia se nega a investigar pistas claras dadas pelas repórteres. O assassino segue deixando corpos pelo caminho. E mais, para tentar reverter a opinião pública, o mundo dos homens acaba colocando um ou mais bodes expiatórios para tentar retomar as rédeas da situação.
O roteiro é bem trabalhado e tem uma sensibilidade de reforçar a relação entre as pessoas. É nelas que o filme cresce, sem ter que apelar para violência ou frases feitas. Keira e Carrie, embora diferentes, fazem uma boa dupla e honram a história das jornalistas que representam (afinal, estamos falando de uma história real). Cozinhando em fogo baixo, você até pode pensar em como tudo vai acabar e vai ter seu momento Agatha Christie na clássica busca de responder a pergunta “Quem é o assassino, afinal?”. E neste aspecto final, o filme acerta novamente, fugindo aos padrões e mostrando que, às vezes, na vida, muitas perguntas infelizmente ficam sem respostas.
A Vigília Recomenda!