Fendas: reflexão existencial no Brasília Film Festival | Crítica
O longa-metragem “Fendas”, dirigido por Carlos Segundo, em uma produção entre Brasil e França (2019) foi um dos longas apresentados na inédita edição online do Brasília Film Festival (BIFF 2020). Em função das necessidades de isolamento social, o evento foi realizado de forma aberta na internet, possibilitando uma maior democratização dos filmes. Ao todo, foram oito filmes na mostra oficial.
Fendas traz a professora e pesquisadora universitária Catarina (Roberta Rangel), em um processo de imersão em seu projeto de física quântica sobre imagens que transmitem sons.
Por meio de um recorte de seu cotidiano, acompanhamos a protagonista em uma busca por respostas, tanto na sua vida profissional, quanto em aspectos pessoais. Seu projeto está, de certa forma, intimamente ligado à sua pessoa. Pelos fragmentos do seu trabalho, ela reflete sobre seu propósito, passado, presente e futuro.
Com um toque quase assustador de realidade, o filme se assemelha muito a um documentário (ou mesmo um reality show ‘diferentão’ sobre a vida universitária, por exemplo). A naturalidade dos diálogos e situações é muito bem expressa na interação de Catarina com Henrique, seu único aluno de pesquisa, que transmite simpatia e familiaridade em uma cena em que o personagem passa quase que completamente de costas para a câmera. Sua conversa informal, dentro do conjunto cenográfico apresentado, transmite um ponto que o filme parece muito buscar, o realismo, a “vida real”, que também são mostrados, por exemplo, nos cenários do apartamento de Catarina e nos corredores abandonados da Universidade.
O contexto estudantil também é muito importante em Fendas, pois percebemos os impactos expressivos dos cortes governamentais nas bolsas de pesquisa. Acompanhamos uma Universidade quase vazia, com professores em greve e uma séries de críticas ao governo que causou esse colapso.
Toda essa construção é intercalada por quadros longos (e talvez longos demais), que nos deixam a espera de respostas, de acontecimentos e explicações que não encontramos por completo ao longo do filme. As belas paisagens trazidas pelos passeios da professora que vai conhecendo a cidade em busca de novos fragmentos para o seu trabalho são, com certeza, um ponto positivo para Fendas, que mesmo em 80 minutos, parece alongar-se demais para contar a história da protagonista.
O tempo, a vida e as escolhas são os temas centrais da trama, que desperta um desejo de “quero mais” ao questionar esses pontos vitais da existência humana. Catarina traz, em certo ponto, a seguinte frase: “Para alguns o tempo é cronológico, para outros, é crônico”. Esse tipo de reflexão, que se repete em diversos pontos do filme, faz com que queiramos entender um pouco mais do que se passa na mente perturbada e intrigada da protagonista.
“Fendas”, uma analogia para os olhos, as “janelas da alma”, é um mergulho, tanto nas paisagens de praia, mar e areia, quanto em uma busca por sentido existencial. O filme, dedicado à brilhante Gabriela Barretos Lemos e a todas as pesquisadoras brasileiras, transmite a sensação de que talvez nós, espectadores, também devamos ir atrás dos nossos próprios propósitos.