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Deixando Neverland: a polêmica eterna de Michael Jackson | Crítica

“Deixando Neverland” (Leaving Neverland) é uma experiência longa e torturante. O documentário que sacudiu o mundo em 2019 aborda um dos temas mais controversos da carreira do mega astro Michael Jackson e joga – é preciso deixar claro – uma visão unilateral sobre dois casos de meninos e famílias que foram totalmente envolvidos pelo cantor, compositor, dançarino, ator, diretor e coreógrafo. Falecido em 2009 aos 51 anos, vítima de suas próprias vaidades, loucuras ou mesmo traumas, a verdade é que a vida do cantor fora dos holofotes nunca foi uma propaganda de margarina na televisão. E neste documentário, temos a abordagem das piores acusações feitas a ele ainda em vida: pedofilia, abuso de menores e chantagens. Tudo isso regado a relatos bem crus sobre as formas de como tudo poderia ter ocorrido. Ao todo o documentário tem 4 horas, sendo dividido em duas partes. A produção e direção é de Dan Reed – indicado ao Emmy® por Three Days of Terror: The Charlie Hebdo Attacks. Deixando Neverland teve estreia nacional pela HBO nos dias 16 e 17 de março e também está disponível para assinantes da HBO Go.

Basicamente o documentário se tornou essencial para fãs e curiosos sobre a carreira de Michael Jackson. Com um rico material, entre eles fotos, gravações, filmagens, ligações, e até mesmo cópias de fax, Reed monta junto à suas duas principais fontes, Wade Robson e James Safechuck um dossiê convincente sobre as práticas indigestas de um adulto famoso para com não uma, mas muitas crianças. Novamente vale ressaltar, o documentário sempre se assumiu parcial, não ouvindo defesas ou fontes que pudessem alegar o contrário. Quem é jornalista sabe que para se fazer uma matéria ou documentário com validade, é necessário ouvir os dois lados da moeda. Caso contrário, vira assessoria de imprensa ou publicidade (neste caso, bem negativa). Por tudo isso, várias redes de fãs e um site que reúne vários pontos de defesa do pop star podem e devem ser consultados para uma visão mais equilibrada da coisa. A maior sugestão é o www.themichaeljacksonallegations.com. A principal afirmação do diretor de Deixando Neverland é de que o documentário não é sobre Michael Jackson, mas sim sobre dois garotos que foram abusados frequentemente durante quase 10 anos de suas vidas.

Feridas abertas

E nesse aspecto, o documentário bota o dedo em feridas latentes e que podem mudar a visão do legado de Michael Jackson de forma brutal. Já há relatos de outros artistas tentando desvincular suas imagens do falecido gênio da música pop. Imagino que para familiares e principalmente os filhos de Michael, o baque possa ser ainda maior.

Michael Jackson e Wade Robson (de chapéu branco) se conheceram em uma turnê na Austrália

Os relatos de James Safechuck e Wade Robson são marcantes por várias situações. Além deles, vemos que o envolvimento com o cantor acabou não mudando somente as vidas particulares dos meninos, mas de praticamente todo seu núcleo familiar. Wade Robson é um garoto australiano que fazia cover de Michael. Com uma ou duas oportunidades de conhecer o astro, ele viu sua vida mudar de vez e toda sua família acabou deixando a Oceania para viver nos Estados Unidos. Já os Safechuck, por uma proximidade geográfica, chegaram a receber muitas e muitas vezes a visita de Michael Jackson para jantares, filmes, pipocas e “noites do pijama” junto ao filho James. Na verdade, o padrão parece comum aos dois casos, e, o próprio material nos leva a crer que ele era repetido novamente com outras crianças. Afinal, Michael realmente estava sempre rodeado de crianças.

As partes mais marcantes são dos relatos específicos de como os tais atos ilícitos ocorriam. Sempre com um convencimento muito forte por parte de Michael aliado a um torpor inexplicável dos familiares, que deslumbrados com o mundo encantando que cercava o pop star, entravam em uma onda em que tudo era normal, inclusive um homem de 30 e poucos anos dormir com crianças em seu quarto. Esse torpor é equiparado aqui no Brasil aos golpes em que muita gente acaba se metendo, normalmente acreditando que vai ganhar dinheiro fácil com alguma corrente, pirâmide ou negócio da China. A ideia de que algo incrível pode acontecer comigo e sou merecedor dessa sorte enquanto outros não. Por isso, todo o luxo, grandes hotéis, viagens gratuitas, e turnês custeadas por Michael para os meninos e suas famílias serviam como uma espécie de pagamento e distração. A família
Safechuck chegou a relatar que ganhou até mesmo uma casa nova do astro.

James Safechuck conheceu Michael em uma propaganda da Pepsi

Tudo isso é contado lentamente, sem pressa, em fogo baixo. Pais, amigos, irmãos e pessoas próximas de Robson e Safechuck vão auxiliando em tudo. “Eu sentia como se ele fosse um filho que não tive”, alega a mãe de Safechuck. Vemos cenas de turnês, shows, apresentações na TV e o clássico rancho Neverland, local especial para Michael e de total encantamento para meninos de 7 a 14 anos. Salas de cinema, fliperamas, junk food liberadas, animais… era realmente um paraíso na terra. E certamente ajudou muito na construção do documentário.

Além das mais baixas acusações (o documentário não tem medo de expor técnicas, posições e as descrições “exatas” do que supostamente rolava nos bastidores de Neverland) também vemos a transformação de Michael Jackson. Outro aspecto da carreira do músico que sempre chamou muito a atenção. A aparência e a saúde mudavam na mesma proporção que a carreira dele decolava, ultrapassando todos os patamares já vistos em questões financeiras.

Golpe final

O golpe fatal vem na segunda parte do documentário, onde os garotos relatam como e o porquê resolveram falar sobre segredos tão íntimos. Até então eles inclusive defendiam Michael Jackson em diversos casos de acusações formais na Justiça norte-americana contra o Rei do Pop, que em determinado momento foi realmente preso. Mesmo os milionários acordos financeiros dele para com seus acusadores eram alegações pró Michael Jackson. “Certamente os pais desses garotos querem se aproveitar do grande astro que ele é e ganhar dinheiro em cima dele”, alegavam. Até que veio a fase adulta e as suas formações de famílias, e então filhos… um ótimo gatilho emocional para adultos que tiveram a infância arruinada. Como não olhar para um filho e lembrar de quase uma década de relacionamentos íntimos com Michael Jackson? Essa foi a bala de prata. O golpe derradeiro para deixar todo o passado de lado e finalmente incriminar o antigo amigo, que agora, já não tem mais chances de se defender.

Veredito da Vigilia

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