Cidade; Campo tem elementos corajosos mas peca na conexão
Juliana Rojas tem um estilo de cinema que já mora no imaginário dos cinéfilos. A diretora, que assina a direção de As Boas Maneiras ao lado de Marco Dutra, apresentou seu novo filme Cidade; Campo na noite de quarta-feira, dia 14 de agosto, na mostra competitiva do 52º Festival de Cinema de Gramado.
O ponto e vírgula presente no título já adianta o que temos em tela. O filme se divide em dois. Duas narrativas são contadas com ligações sutis entre elas, além de claro, compor uma explicação lógica: na primeira história, temos uma personagem que sai do campo e vai para a cidade. Na segunda, duas jovens que saem da cidade e vão para o campo.
Histórias diferentes que não se conectam
A primeira história, de Joana (Fernanda Vianna) é até bem resolvida. Uma agricultora que vivia em Mariana e perdeu tudo quando a barragem rompeu. A tragédia, que, na verdade, em um ano de enchentes no Rio Grande do Sul, se torna conhecida e palpável por nós. Joana precisa recomeçar, do zero. Precisa reencontrar sentido na vida, mesmo tão longe de onde nasceu, cresceu e decidiu continuar a viver. Encontra uma irmã, que não tinha contado há muito tempo, um sobrinho-neto que não conhecia e vai criando laços familiares. Tanto com as pessoas que se colocam em seu caminho quanto com a própria cidade, mas sem esquecer de onde veio e tentando manter o pé na terra sempre que possível, mesmo que esteja numa selva de concreto.
Contudo, a segunda história não é tão profunda e interessante, ou instigante, como a primeira. Duas jovens adultas, a supervisora de TI Flávia (Mirella Façanha) e a veterinária que trabalhava em uma fábrica de ração, Mara (Bruna Linzmeyer), resolvem largar as suas vidas na cidade para viver no sítio deixado pelo pai de Flávia após sua morte. Tudo parece ir bem até uma noite com Ayahuasca atrapalha o progresso das duas.
Por conhecer o cinema de Juliana Rojas, o tempo todo esperamos coisas sobrenaturais acontecerem. Dessa vez, apenas temos apenas aparições. São imagens que auxiliam – e muito – o processo de luto das personagens. Mas, ao mesmo tempo, esperamos mais.
Erros e acertos
O maior incômodo gerado por este filme é a falta de conexão entre uma história e outra. A vida de Joana encontra as vidas de Mara e Flávia de uma forma tão discreta que passa até mesmo despercebido. E aqui que entra o ponto e vírgula. Essa é, ao que tudo indica, a proposta da diretora. Mas faz falta uma conexão mais real de tudo que está sendo posto ali.
Apesar dessa falta de conexão e do segundo ato ser tão arrastado, Cidade; Campo tem méritos. A trilha sonora, assinada por Rita Zart e Tiago Bello consegue criar uma atmosfera que envolve o espectador. Além disso, até as músicas mais bregas combinam com importantes momentos retratados em cena.
O afeto como fio condutor da história é outro ponto que deve ser levantado. Em muitas cenas, em diversos diálogos, carinho, compreensão, solidariedade e sororidade são os elementos que definem o que vem a seguir. A cena de sexo desse filme é uma dessas transgressões de afetos. Apesar de não possuir a escolha artística mais adequada no meu ponto de vista, usando soluções até mesmo um tanto quanto cafonas, vemos o sexo entre duas mulheres, sendo uma delas uma mulher preta e gorda. Algo que, em toda minha carreira de crítica, não me lembro de ter acompanhado. Os corpos gordos geralmente estão em cena para serem escape de piadas, servem para humor. E não são filmados com desejo como Juliana Rojas colocou em seu filme. É emocionante conseguir ver uma mulher gorda nesse espaço de objeto de desejo.
Cidade; Campo tem uma temática muito interessante, mas falha ao conectar de forma superficial os seus temas. Um casamento mais efetivo entre as histórias e o realismo fantástico da própria diretora fariam bem ao filme. Faltam resoluções para diversas perguntas criadas no seu subtexto que terminam sem sabermos o porquê delas estarem ali.
Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto
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