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Atômica | Crítica

Atômica (Atomic Blonde, de David Leitch) estreou nos cinemas dia 31 de agosto de 2017 e está atualmente no catálogo da Netflix.

Crítica por Maytê Ramos Pires

Pouco antes da queda do muro de Berlim, incluindo o período da queda nos dez dias que o enredo percorre, uma agente do MI6 (Military Intelligence, Section 6 – tipo a CIA britânica) é enviada à cidade para resgatar o corpo de um colega e procurar pela lista que ele detinha e o levou a ser perseguido e morto. Charlize Theron é a nossa protagonista, Lorraine Broughton, que precisa transitar entre Berlim Oriental e Ocidental para desvendar a operação que leva ao relógio no qual a lista está guardada. Nesse meio tempo, acompanhamos perseguições, nos esforçamos para entender os fingimentos e disputas entre inimigos/aliados (que se mesclam e redesenham constantemente), formulamos nossa lista mental e nos extasiamos com cenas de ação muito bem desenvolvidas e envolventes – destaque para o fato de que os personagens cansam de lutar, vemos desgaste físico e esforço para seguir lutando, o que dá mais naturalidade às sequências de golpes mirabolantes. Vale destacar que Atômica é adaptação pro cinema de uma HQ intitulada A Cidade Mais Fria, e talvez isso justifique o roteiro criar soluções tão fantasiosas para o fim de algumas lutas e tudo dar certo e servir a um plano maior que, claro, não necessariamente considerava os percalços e surras que Lorraine precisa vencer.

É muito interessante o fato de a narrativa não ser linear, mas sim em flashbacks construindo com maestria o tempo dos acontecimentos. O filme começa com o assassinato do agente (sabemos desde o início quem o matou) e então pula para dez dias na frente e vemos que Lorraine cumpriu sua missão, encontrando-se cheia de hematomas e se encaminhando para a sala em que ela é interrogada e precisa contar detalhadamente o que aconteceu nos últimos dez dias para seus dois superiores e um representante da CIA com quem ela teve contato ainda em Berlim. Desde esse começo o filme nos capta, tanto pela insolência da agente no trato com seus superiores, quanto pelas ambientações.

O emprego do figurino destaca-se com elementos característicos dos anos 80/90 na vestimenta, correspondendo à moda da época, representando diversos estilos com collants, botas acima do joelho, couro, p&b e também marcados pelos cortes de cabelo de todos em tela. O mais legal nesse quesito está na sutileza do uso de um elemento específico: um par de botas. Isso porque um olhar atento nota as botas marcadamente filmadas no trajeto de Lorraine para o interrogatório e novamente em foco nos pés de outra personagem feminina em período anterior, lá na Alemanha, a agente secreta francesa Delphine (Sofia Boutella), sendo que isso não é explicado, apenas percebemos que é a mesma. A relação subentendida que está na valorização da peça e da memória que ela pode trazer se corrompe quando chegamos à cena de sexo entre as duas personagens: totalmente desnecessária e fetichizada.

Incomoda também quando numa luta os sujeitos se esquecem das armas e focam muito no corpo-a-corpo, o que às vezes é injustificado. É aquela coisa de sempre: por que os caras atacam um de cada vez? A melhor cena de todo o filme é um “plano-sequência” no qual se olharmos atentamente vemos os cortes, mas é tão espetacularmente bem montada que acreditamos não serem vários planos longos e sim um plano-sequência e surpreende porque os cortes são sutis e mais perceptíveis pois a aparência dos personagens vai mudando, principalmente Lorraine, que vai ficando com o rosto cada vez mais inchado e vários ferimentos surgem em sua pele. No entanto, é nessa cena que fica mais evidente o apelo do filme para a ação e em dois momentos não nos convencemos na credibilidade da luta, seja porque Lorraine fica de costas para um oponente e ele espera ela acabar de atingir outro para então aparecer (falo da cena da escada) ou pelo momento em que uma arma some do lado de uma mesa onde ela tinha caído e a briga parte pras armas brancas achadas no chão sendo que a arma foi esquecida. Não bastasse isso, o canto em que ela tinha caído é focado no final da luta e a arma não estava mais lá.

Apesar desses detalhes, Charlize convence muito em sua atuação, tanto como badass batendo em geral, quanto nos momentos mais dramáticos. Ao lado dela, um excelente time que nos leva a personagens que vamos descobrindo aos poucos, pois eles não são o que parecem. Ok, há obviedades e os vilões (até os escondidos) são facilmente apontáveis e isso não surpreende; mas temos gratas surpresas no final e, realmente, nem tudo é o que parecia. Por vezes somos enganados em alguns diálogos que nos fazem chegar a determinada compreensão, mas na maioria das vezes a confusão é proposital em virtude de escutas e máscaras bem moldadas e que encaixam muito bem nos rostos que lhes cabem.

A trilha é maravilhosa, se configurando como o guia perfeito: subindo e descendo com a gravidade da cena, inundando a tela ao sair e extrapolar um radinho, ou diminuindo até o interior de um carro fechado e novamente tomando conta, nos ensurdecendo na tensão. Mas por ela ser tão intensa e presente, infelizmente, ela transita entre ponto principal que leva o filme a seu auge e entre ser o seu maior problema, pois ele acaba sofrendo aquele mal de se tornar um grande clipe. Geralmente quando a música guia tanto, se vê um indício de que falta substância na trama. E, nesse caso, dá tudo muito certo, mesmo o que dá errado, o que é irreal ao extremo.

Por outro lado, outro grande destaque positivo do filme é a fotografia, que conta com um jogo de câmeras maravilhoso, que giram de lado e de cabeça pra baixo quase ao estilo de Vivendo no limite (Martin Scorsese, 1999). O filme conta com uma estética escura que se soma ora a uma iluminação neon que quase cega, ora a luzes que nem sabemos de onde surgem, um colorido de acertos. O que falta é a naturalidade, pois algumas cenas parecem feitas mais para bonito e menos pra contar algo, o que deixa o filme longo. É inegável que o terceiro ato tem uma excelente cena de ação, mas até chegar lá por vezes é cansativo, mesmo com boas cenas anteriores – o positivo não é pontual, há diversos elementos a se aplaudir, mas eles vêm juntamente com falsidades forçadas que comprometem um pouco da experiência de quem assiste à obra.

Veredito da Vigilia

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