Séries

Setembro Amarelo | 13 Reasons Why e a depressão na adolescência

“Oi, é a Hannah. Hannah Baker. Não ajuste seu… seja lá o que estiver usando para ouvir isso. Sou eu, ao vivo e em estéreo. Sem promessa de retorno, sem bis e, dessa vez, sem atender a pedidos. Pegue um lanche. Acomode-se. Porque eu vou contar a história da minha vida. Mais especificamente, porque minha vida terminou. E se você está ouvindo essa fita, você é um dos porquês.” Essa é a fala da personagem Hannah Baker, criada pelo autor americano Jay Asher e vivida pela atriz Katherine Langford na adaptação do livro para televisão chamada de “13 Reasons Why”.

Na história fictícia, Hannah deixou treze fitas, contando os motivos que a levaram a decidir tirar a própria vida e atribuindo a algumas pessoas esta decisão. Claramente podemos interpretar que Hannah Baker sofria de depressão, doença que acomete cada vez mais jovens e adultos, como afirma a psicóloga Josiane Pires. “Em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram com esse transtorno”. E, infelizmente, em alguns casos, essa doença pode levar à situações mais do que dramáticas, como vimos em 13 Reasons Why, que trata, entre outras coisas, do suicídio entre jovens. E o crescimento de casos extremos é o propósito do alerta do Setembro Amarelo. “Entre jovens, o suicídio já é a segunda maior causa de morte, indica a OMS, ficando atrás apenas de acidentes de carro. Por isso é tão importante uma campanha como o setembro amarelo”, explica o psicólogo Luiz Mateus Pacheco.

Afinal, o que é a depressão?

Com esse aumento de casos na adolescência, é importante entendermos que a depressão é o resultado de uma complexa interação de fatores sociais, psicológicos e biológicos, como aponta Josiane. A psicóloga também fala sobre o desânimo sem fim que quem sofre da doença apresenta. “É fruto de desequilíbrios na bioquímica cerebral, como a diminuição na oferta de neurotransmissores como a serotonina, ligada à sensação de bem-estar”, informa. Contudo, nem sempre é possível perceber que o jovem está com depressão. “É muito interessante notar que nem sempre os sintomas são aparentes. Quer dizer, às vezes, até mesmo aquela pessoa que você nem desconfiava, pode estar sofrendo com a depressão. De um modo geral, vale a pena observar os excessos, tanto para um lado, como para o outro. Por exemplo: falta ou excesso de sono; falta ou excesso de fome; etc. Além disso, um ponto importante é a perda de energia e, principalmente, de prazer com a vida”, comenta Pacheco. Josiane reforça: “Os sintomas mais frequentes giram em torno de uma sensação de infelicidade crônica, alterações fisiológicas, baixas no sistema imunológico e o aumento de processos inflamatórios, como tristeza profunda, falta de apetite e de ânimo, pessimismo, baixa autoestima, entre outros, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si”, diz. 

Um fator que agrava e pode auxiliar, indiretamente, nos casos de depressão na juventude são os smartphones e o acesso ilimitado à internet. Josiane traz estatísticas que mostram que o suicídio cresce não somente por questões demográficas e populacionais, mas também por problemas sociais que prejudicam o bem-estar de cada um e que estimulam a autodestruição. “Nossa sociedade vive com diversas situações de agressão, competição e insensibilidade. Campo fértil para que transtornos emocionais se desenvolvam. O antídoto para combater essa situação limita-se, no momento, ao sentimento humanitário que algumas pessoas têm”. Isto é, a internet além de vender vidas que não são reais pelas redes sociais, promove competições veladas e também acostuma o sujeito a ter soluções por ‘clic’s’, adoecendo-o”, diz a campanha do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. “Berardi (Franco Berardi, autor do livro Heroes mass murder and suicide) argumenta que os nossos jovens aprendem muito mais através das máquinas do que de pessoas e com contato afetivo. Isso faz uma enorme diferença. A internet, especialmente as redes sociais, são uma espécie de placebo das relações sociais: se dedicam a um efeito, mas não podem garanti-lo”, traz Pacheco, que complementa “Barbara Fredrickson, num livro chamado Love 2.0, afirma, através de estudos científicos revisados, que, inclusive, pode haver uma quantidade mínima de contato social para manter nossa saúde, ao que ela denomina uma dieta de conexão. Estamos substituindo uma forma de conexão por outra e isso tem consequências”.

Bullying como fator

E eram muitos os casos de Bullying na escola de Hannah

Na série dos 13 Porquês, a personagem atribui o bullying sofrido como um dos fatores, em duas fitas. Hannah relembra uma atividade na escola e um encontro de Dia dos Namorados que ela descobriu ser uma aposta. O bullying entra nos fatores sociais que estão ligados à depressão, afetando os jovens diretamente, já que eles estão passando pela fase natural da adolescência, onde todos necessitam de algumas aprovações, lembra a psicóloga Josiane. Os perigos do bullying são muitos, aponta Pacheco. “Quem sofre bullying pode desenvolver uma baixa autoestima, mas, principalmente, tem uma tendência a ter uma espécie de falência da vida social. Aí mora um grande perigo. Franco Berardi no livro Heroes, mass murder and suicide aponta esta falência como fator importante nos casos de assassinato em massa seguidos de suicídio”, diz o psicólogo. “O ser humano é um ser social. Precisamos estar inscritos numa ordem social para que seja possível nos sentirmos vivos psiquicamente, importantes e amados. Quando isso falha, uma série de condições de sofrimento podem ocorrer, como a depressão e o suicídio. E vale ainda destacar que, para o adolescente, isso é ainda mais importante, pois a adolescência é uma fase de consolidação da personalidade onde pertencer a algum grupo tem grande importância”, complementa. O combate ao bullying deve ser feito a partir de campanhas, debates e palestras em que haja conscientização dos jovens quando o assunto é opinião e julgamento, é necessário que eles saibam que essa atitude pode ferir, literalmente, outra pessoa, alerta Josiane.

Que tal escutar?

Infelizmente, Hannah Baker procura seu coordenador na escola e não é compreendida da forma que gostaria e deveria. A menina, inclusive, dedica a última fita a ele. Mães, pais, responsáveis, professores, coordenadores e diretores podem auxiliar nesse processo. Contudo, nem sempre a diferença de geração permite aos adultos entender e escutar o jovem em suas angústias. Mas, prestar apoio é mais fácil do que se imagina. “É possível fazer isso doando um pouco do seu tempo para a escuta permitindo que ele fale de suas dores livremente”, aponta Josiane. Os cuidados também devem ser tomados, como não interromper, nem apressar. Fazer comparações e oferecer soluções prontas não são as alternativas corretas. O melhor é escutar plenamente e oferecer somente seu apoio, além de oferecer companhia na busca de ajuda profissional e acompanhar esse processo de terapia e cuidado. Porém, Pacheco lembra que essa não é uma situação fácil para o adulto. “Incomoda pensar que alguém possa estar sofrendo ou até pensando em suicídio. A tendência é negar. Por isso os adultos precisam também estar preparados no sentido de terem espaços para discutir isso ou mesmo saber o que fazer, caso seja necessário – ou com quem contar”, diz.

O coordenador de Hannah não deu ouvidos à ela…

Alguns jovens se abrem, outros não. Mas, é possível perceber sintomas de depressão e entrar em alerta. Mudanças repentinas de comportamento, retraimento, falta de esperança, se despedir de pessoas sem motivo, ou se desfazer de objetos pessoais, dizer que “quer morrer” ou que “quer sumir”, usar substâncias ilícitas devem deixar os pais e responsáveis atentos. Além disso, a melhora súbita deve ser observada. Assim como Hannah, que apresentava um estado melancólico por muito tempo, e de uma hora para outra, ela decidiu cortar o cabelo e parecia mais alegre, esse comportamento é preocupante, já que, sem outro fator aparente, ela melhorou. Outro sinal é caso um adolescente pareça feliz o tempo inteiro, todos os dias. Geralmente, ele está escondendo seu estado verdadeiro, afinal, ficar triste às vezes é normal. Por fim, é importante observar sinais que possam indicar automutilação. 

Depois de notar esses sintomas, é importante levar os adolescentes para o tratamento, que é feito por profissionais da área de saúde, como psicólogos e, em casos mais severos, psiquiatras. São os profissionais da área da saúde que vão poder fazer o diagnóstico. E, como lembra o psicólogo Luiz Mateus, “não é vergonha nenhuma, muito menos fraqueza procurar ajuda. Muito pelo contrário!”.

Essa é a primeira reportagem de uma série de reportagens que a Vigília Nerd vai fazer sobre o Setembro Amarelo.

Lembramos que o CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, email, chat e voip 24 horas todos os dias. A ligação para o CVV em parceria com o SUS, por meio do número 188, são gratuitas a partir de qualquer linha telefônica fixa ou celular. Também é possível acessar www.cvv.org.br para chat, Skype, e-mail e mais informações sobre ligação gratuita.

Esse texto contou com a produção de Bruna Monteiro.

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